quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Quem ama não fica só

A propósito da crônica No teu deserto, publicada neste espaço há uma semana, leitora faz com propriedade o seguinte comentário: - "Se o amor acaba, as transformações que faz em nós, não. Sendo assim, haverá sempre um pouco do ser amado impregnado em nós!" O que assevera, muito mais que verdadeiro (o que é, indiscutivelmente!), é bonito, com uma inspiração algo poética, quem sabe filosófica, o que não me surpreende, vindo de onde vem.

Escrevi a referida crônica a fim de tecer considerações sobre o romance homônimo do escritor português Manuel Sousa Tavares, uma indicação do acadêmico e amigo Dimas Macedo. Como o livro constituísse a narração de um amor efêmero, mas intenso e belo, a leitura me impulsionou a fazer algumas reflexões sobre o fim dos relacionamentos, mesmo aqueles que foram capazes de fazer desabrochar nos amantes os maiores, mais sinceros e mais bonitos sentimentos, e que, acabados, trazem invariavelmente a dolorosa sensação de que tudo não passara de um logro, um tipo de engano. Afinal, é recorrente, até onde sei, que quase nunca uma relação termina de forma tão equilibrada que possa permitir o restabelecimento do que um dia fora uma simples amizade, quantas vezes nascida do inesperado. Um lado sempre vai sair machucado e a ferida leva um tempo para sarar, quando sara a ponto de não deixar cicatrizes incômodas tempos afora.

Mas a leitora foi fundo, tocou no nervo da questão. De fato, o fim de um amor, quando grande e intenso, a exemplo do que nos comunica o narrador desse belíssimo No teu deserto, jamais significará a morte do objeto amado, que quedará em silêncio no mais profundo da alma, de onde ressurge vez e outra, na música que ouvimos, no lugar onde estivemos juntos um dia, nas mensagens e fotos que ficaram dos momentos bons e felizes vividos a dois. Talvez por isso, não raro, o que parecia morto é capaz de renascer das cinzas, como fênix, talvez uma flor que brotou do inesperado chão e "furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio", como quis Drummond.

Não por acaso reli esta semana, Consolação, o extraordinário romance de Betty Milan. Não estranhe, leitor. Isto mesmo, o belíssimo romance de Betty Milan, que, para quem não conhece como ficcionista, é uma escritora de muito talento. O enredo é simples, o tratamento profundo. Uma viúva brasileira de um marido francês volta a São Paulo para visitar a mãe, velhinha, e o túmulo do pai. Em meio à loucura dessa cidade a um tempo encantadora e desumana, descobre que nem mesmo a morte é capaz de fazer desaparecer a felicidade do amor, a eterna presença de quem 'se foi', em nós. Poucas vezes alguém terá analisado a morte de forma tão leve, com tanta naturalidade e tanta poesia. Um breviário de superação da perda, do luto. Afinal, como se vê na fala de uma personagem, "... O destino tira o que a gente tem. O que a gente já perdeu ele não tira!" O que não se tem mais nos é restituído através da saudade. Quem ama não fica só.

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