segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Último tango

Como o debate entre os presidenciáveis, domingo 17, estivesse aquém de morno, fui à estante apanhar um filme para ver, até que me chegasse o sono. Fiz isso meio às cegas, pegando intencionalmente ao acaso a caixa do DVD. Pasmem! Cai-me às mãos nada mais, nada menos que o Último tango em Paris, o belíssimo filme de Bernardo Bertolucci. Vi-o havia muitos anos, em 79, se não me engano, quando finalmente liberado no Brasil. A obra é de 1972, e a revi uma ou duas vezes, que é, do cineasta italiano, a de que mais gosto. Uma obra-prima da sétima arte, coisa obrigatória para os trintões e trintonas de hoje que não tiveram a oportunidade de vê-lo no cinema.

Tendo mesmo assumido o papel de animador cultural deste semanário, o sono sem vir, decido rascunhar um texto breve sobre este filme que marcou época na história do cinema de arte. Lembro que foi o primeiro nu frontal liberado no país, desde Norma Bengel em priscas eras, como diria mamãe. Mas, assistindo novamente a este maravilhoso trabalho de Bertolucci, reluto em 'ver' o lado violento ou apelativamente erótico do filme, pretexto com que se procurou justificar, aqui e além, a sua proibição durante quase uma década. Vejo-o como ao Império dos sentidos, outro clássico da época, marcado por forte poeticidade, e profundo, acima de tudo profundo como análise da paixão em sua mais completa complexidade. Um primor.

Para os que não o viram, à época, e que são o objeto da minha motivação enquanto escrevo esta crônica, conto o filme em duas palavras: Paul, numa interpretação inesquecível de Marlon Brando, é um americano de meia-idade que reside em Paris, onde acaba de perder a esposa por suicídio. Atormentado em face do ocorrido, enquanto caminha sem rumo pelas ruas de Paris, Paul cruza com Jeannie (Maria Schneider), uma beldade bem mais nova que ele e noiva de um jovem cineasta. Paul e Jeannie encontram-se num apartamento desocupado que pretendem alugar. Está construída a trama. Sem revelarem sua identidade, os dois passam a transar arrebatadamente, num frenesi estonteante e extremamente poético.

Alugado o imóvel, Paul e Jeannie passam a encontrar-se ali, entregando-se a uma paixão frenética, alucinante, até que ele desaparece sem deixar vestígios. Mas a história não acaba aí. Os dois se reencontram ao acaso, e Paul a leva a uma casa de tangos, onde vivem os derradeiros momentos desse amor enlouquecido, em cenas inesquecíveis de entrega e deslumbramento. Agora é ela que rompe a relação, subitamente, como que desiludida com a perda do anonimato que os unira antes. Foge para o apartamento em que mora com a mãe, mas Paul a segue desesperadamente. Mas não vou revelar o desfecho desse filme arrebatador.

O Último tango, além de ser um dos grandes filmes sobre a paixão, arrebanha em torno dele um corolário de curiosidades estarrecedoras. Uma delas diz respeito às declarações de Schneider sobre a antológica cena em que Jeannie é sodomizada por Paul com o auxílio de uma porção de manteiga. Depois das filmagens, a atriz chegou a dizer que Brando a violentara durante a gravação da cena, e que o seu choro, portanto, teria muito mais que técnica de interpretação. Não à toa, como se vê, causou escândalo, julgamentos desencontrados e censura quase universal ao filme.

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