sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A ética perdida

É verdade que dei com os burros nágua. Deu segundo turno e a galera da reação está exultando com a possibilidade de um retrocesso. Coisas da democracia, se é que se pode falar de democracia diante de tudo o que houve e que, até onde sei, explica a surpresa do resultado. Sem querer "perder a postura intencionalmente", a exemplo do que fiz na semana que passou, insisto na ideia de que a grande imprensa brasileira vem materializando o mais deslavado jornalismo marrom. Por falar nisso, leitor encontra-me na rua e diz com todas as letras: - "Você foi muito infeliz!" Isso, claro, depois de besuntar a crítica com elogios que estão para além do que pode este pobre escriba.

Analisando o que se deu em termos de mídia durante a campanha, ocorre-me lembrar do clássico As ilusões perdidas, de Honoré de Balzac, livro com que o francês põe a nu as práticas inconfessáveis dos profissionais da imprensa na segunda metade do século XIX. Trata-se, entre outras coisas que a obra explora com a maestria do gênio, de uma impiedosa, mordaz e procedente crítica às práticas perversas do jornalismo, sua nebulosa expressão de interesses político-partidários. Numa palavra, a parcialidade de um aparelho a um tempo imprescindível e pernicioso. Mas, voltemos ao que importa.

Pois bem. O mais lamentável é que um jornal importante como a Folha de São Paulo, uma revista como a Veja, para não entrar nas obviedades que levam os jornalistas da TV Globo a fazer o que fazem, possuidores de redações extremamente competentes, a fina flor da nossa imprensa, pratiquem em uníssono um jornalismo compactamente voltado para os interesses dos seus patrões. Uma vergonha!

E ainda têm o cabotinismo de ribombar palavras de ordem em favor do que professam ser uma imprensa livre. Confunde-se, na embriagada disposição de fazer valer a vontade do patrão, liberdade empresarial dos donos dos órgãos de imprensa com liberdade de expressão jornalística. E haja editoriais, reportagens, artigos etc., defendendo hoje, mutatis mutandis, o que defendiam durante os anos de arbítrio: antes, o elogio da reação contra o que diziam ser o risco de cubanização do Brasil; agora a desconstrução de um governo popular contra os riscos de mexicanização, venezuelização ou seja lá o que for. Uma indecência!

Isso, prezado leitor, para não falar da exploração desumana de falas, isoladas do contexto em que foram ditas, com o fim de danificar a imagem pública das pessoas. Um exemplo? A fala em que a candidata Dilma Rousseff admite a necessidade de que se revejam as questões legais que envolvem o aborto, que, para essa imprensa "livre" significa defender a legalização do aborto. Em tempo, não há como negar: o papel da Igreja, sem esquecer a manipulação do pensamento dos evangélicos, explica à perfeição a queda de Dilma e o espantoso crescimento de Marina Silva no primeiro turno. Sem desconhecer os méritos desta, obviamente. A ética perdida.

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