Consta que o filósofo Sócrates, enquanto lhe preparavam a cicuta, dedicou-se a aprender uma ária com a flauta. "Para que lhe servirá?", perguntaram-lhe. "Para aprender esta ária antes de morrer!" Conversava isso com amigos, cinéfilos como eu, a propósito de um deles me ter afirmado que lamentava não ter lido mais, não ter assistido a mais filmes, agora que chegara aos 50 anos.
Cada um de nós cita a cena de cinema de que mais gosta, com a qual se emociona mais. Falo-lhes que tenho, através deste espaço, incentivado os meus leitores a ver grandes filmes, com bons resultados, a concluir pelos e-mails que recebo a cada semana.
É evidente que 'a minha cena predileta' de cada um muda de uma conversa para outra, ao sabor das lembranças que nos vão ocorrendo sempre que o assunto assoma. Um me fala da cena de Minhas amada imortal em que Gare Oldman, interpretando Beethoven, toca Sonada ao luar com o ouvido encostado à madeira do piano, já surdo. É de fato linda, uma cena que nos emociona e entusiasma. Aliás, escrevi sobre essa passagem do filme de Bernard Rose há algum tempo, não lembro se numa coluna do jornal A Praça ou num livro de memórias culturais.
Na versão mais antiga do filme, Um grande amor de Beethoven, 1936, realizada por Abel Gance, a mesma cena é mostrada de outra forma, no momento em que o compositor vienense ouve Juliette Guicciardi, o grande amor de sua vida, declarar-se perdidamente apaixonada por outro homem. É o momento mais bonito e mais doloroso do filme, com uma atuação soberba de Harry Baur.
Mas nada se compara à sequência em que Beethoven perde a audição: a câmera mostra em cenas mudas pássaros, violinos e sinos, num efeito cinematográfico que transfere para o espectador a surdez do compositor. Abel Gance era um perfecionista. No seu filme mais conhecido, Napoleão, 1927, o diretor chegou a amarrar uma câmera portátil no dorso de um cavalo, a fim de obter uma imagem ilusionista de uma cena de combate. Montagem rápida, câmera subjetiva, uso de espelhos a fim de criar efeitos distorcidos, são muitos dos recursos do diretor francês que ainda hoje impressionam.
Com o advento do DVD, na esteira do que já se tornara possível com o videocassete, os amantes do cinema têm podido ver ou rever os 'filmes de minha vida', com a vantagem de voltar, congelar imagens, localizar passagens durante o desfile do filme, enfim, deliciar-se com o que existe de melhor na história da sétima arte. E o mercado, sempre mais, vem tornando acessível ao grande público verdadeiras pérolas do cinema, a exemplo do filme de Gance a que me refiro aqui.
Que os jovens cinéfilos, os novos leitores da boa literatura, os admiradores da música e de outras linguagens estéticas, advertidos pela angústia do amigo a que me referi há pouco, aproveitem bem a oportunidade de usufruir das facilidades de hoje. Que vejam mais filmes, leiam mais livros... ainda que, vez e outra, venham a ser surpreendidos pelo pragmatismo das perguntas tolas: "Para que lhe servirá?" Está em Sócrates: "Para aprender coisas novas, antes de morrer!"
Cada um de nós cita a cena de cinema de que mais gosta, com a qual se emociona mais. Falo-lhes que tenho, através deste espaço, incentivado os meus leitores a ver grandes filmes, com bons resultados, a concluir pelos e-mails que recebo a cada semana.
É evidente que 'a minha cena predileta' de cada um muda de uma conversa para outra, ao sabor das lembranças que nos vão ocorrendo sempre que o assunto assoma. Um me fala da cena de Minhas amada imortal em que Gare Oldman, interpretando Beethoven, toca Sonada ao luar com o ouvido encostado à madeira do piano, já surdo. É de fato linda, uma cena que nos emociona e entusiasma. Aliás, escrevi sobre essa passagem do filme de Bernard Rose há algum tempo, não lembro se numa coluna do jornal A Praça ou num livro de memórias culturais.
Na versão mais antiga do filme, Um grande amor de Beethoven, 1936, realizada por Abel Gance, a mesma cena é mostrada de outra forma, no momento em que o compositor vienense ouve Juliette Guicciardi, o grande amor de sua vida, declarar-se perdidamente apaixonada por outro homem. É o momento mais bonito e mais doloroso do filme, com uma atuação soberba de Harry Baur.
Mas nada se compara à sequência em que Beethoven perde a audição: a câmera mostra em cenas mudas pássaros, violinos e sinos, num efeito cinematográfico que transfere para o espectador a surdez do compositor. Abel Gance era um perfecionista. No seu filme mais conhecido, Napoleão, 1927, o diretor chegou a amarrar uma câmera portátil no dorso de um cavalo, a fim de obter uma imagem ilusionista de uma cena de combate. Montagem rápida, câmera subjetiva, uso de espelhos a fim de criar efeitos distorcidos, são muitos dos recursos do diretor francês que ainda hoje impressionam.
Com o advento do DVD, na esteira do que já se tornara possível com o videocassete, os amantes do cinema têm podido ver ou rever os 'filmes de minha vida', com a vantagem de voltar, congelar imagens, localizar passagens durante o desfile do filme, enfim, deliciar-se com o que existe de melhor na história da sétima arte. E o mercado, sempre mais, vem tornando acessível ao grande público verdadeiras pérolas do cinema, a exemplo do filme de Gance a que me refiro aqui.
Que os jovens cinéfilos, os novos leitores da boa literatura, os admiradores da música e de outras linguagens estéticas, advertidos pela angústia do amigo a que me referi há pouco, aproveitem bem a oportunidade de usufruir das facilidades de hoje. Que vejam mais filmes, leiam mais livros... ainda que, vez e outra, venham a ser surpreendidos pelo pragmatismo das perguntas tolas: "Para que lhe servirá?" Está em Sócrates: "Para aprender coisas novas, antes de morrer!"