quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Semana de Arte Moderna

Queira-se ou não, a Semana de Arte Moderna foi o mais importante acontecimento cultural do país. Refiro-me ao evento de 1922, que teve como cenário o Teatro Municipal de São Paulo e serviu para dividir as águas da inteligência brasileira, fixando coordenadas que estão para além das fronteiras meramente artísticas e ecoam, de alguma forma, ainda hoje, em tudo que diz respeito à nossa produção intelectual. Dito assim, é provável que o leitor menos avisado conclua que estejamos comemorando, neste mês de fevereiro, os 90 anos de uma manifestação por demais acadêmica, o que vai de encontro ao conteúdo político e estético da rapaziada. A Semana de 22 foi um evento de revisão dos nossos valores, do nosso modo de pensar a Arte e sua razão de ser. De rever, portanto, posturas e percepções da realidade brasileira em seus diferentes aspectos, ideológicos inclusive.

Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Menotti del Picchia, Paulo Prado, Sérgio Milliet, Di Cavalcanti, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, para citar os nomes de maior peso no contexto daqueles acontecimentos de 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, devem ser vistos como os grandes inovadores do pensamento político e estético nacional, em que pese ser realidade terem vindo, alguns desses, de linhagens familiares ricas e não raro conservadoras. Aí, exatamente, o que mais dignifica o ideário por que orientaram suas ações, redefinindo papeis até então confiados ao que tínhamos de mais representativo da intelectualidade no país, dominantemente marcada por figuras pouco afeitas às transformações ou transgressões de qualquer ordem. A participação de Graça Aranha na programação de abertura do evento, nessa perspectiva, proferindo a palestra inaugural, é prova contundente do que estamos afirmando. Sobremaneira quando nomes importantes, a exemplo de Manuel Bandeira e Monteiro Lobato, cada um a seu modo, encontraram pretextos para justificar suas ausências durante a realização da Semana.

A Oswald de Andrade, seguindo a mesma linha de raciocínio, devemos uma (re)apreciação do que legou aos contemporâneos e pósteros, não apenas artisticamente falando, o que já seria grandioso. Falo em termos do que investiu, em dinheiro e esforços, para tornar possível a Semana de Arte Moderna. Ao retornar da Europa em 1912, dez anos antes da eclosão do nosso modernismo, Oswald importou o espírito futurista por que iria orientar seus projetos para o Brasil, no que terá sido tremendamente mal interpretado, acusado que seria de semear ideias fascistas entre os seus pares brasileiros. Empana-se (ou se tenta empanar) o que havia de essencial, de fato, em meio a esses projetos: o compromisso da literatura com a modernização do pensamento e da linguagem; o combate aos ranços acadêmicos e às quinquilharias e ao passadismo de toda espécie; mas, acima de tudo, a exaltação e o culto às palavras em liberdade. Em liberdade, frise-se.

De Oswald de Andrade, agora em termos estéticos, é um dos escritos de maior alcance acerca dessa necessidade de transformação, de atualização do nosso pensamento intelectual e artístico, intitulado Em prol de uma pintura nacional, em que recomenda aos nossos artistas tirar "dos recursos imensos do país, dos tesouros de cor, de luz, de bastidores que circundam, a arte nossa que afirme, ao lado do nosso intenso trabalho material de construção de cidades, de desbravamento de terras, uma manifestação superior de nacionalidade."

Os 90 anos da Semana de Arte Moderna, de São Paulo, deveriam assinalar um novo passo em termos de revisão do que representou e continuará representando para o país. Não pelas excentricidades a que deu espaço, pelo colorido com que lhe têm estampado os bons seriados e especiais da tevê Globo, mas pela força seminal do seu ideário transformador, pela guerra contra os nossos vícios e nossas práticas reacionárias, política e esteticamente falando. O Brasil que pensa não pode continuar em dívida com a Semana de Arte Moderna e com aqueles que a fizeram, na contramão de tantos interesses dominantes à época. Muitos dos quais inconfessáveis, cumpre destacar.









3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Saudações, Álder!

    Não sei se estou certo ou errado, mas no que se trata de reformas (em quaisquer que sejam as áreas) e tecnologias, os países de língua de portuguesa parecem sempre os últimos da fila. Acredito que o leitor menos avisado não concluirá o fidedigno e indiscutível ponto de vista expresso no texto. O mais avisado, estará a par de tudo. Por quê? Porque nesta e na próxima semana não se falará noutra coisa nos gloriosos “tanques” da comunicação audiovisual brasileira: O Carnaval do Rio, São Paulo e Salvador. Mas isso já não me é mais novidade.

    No livro A Verdadeira História do Clube Bilderberg, de Daniel Estulin, ele diz que haverá um férreo controle sobre a educação, com o propósito de destruí-la. Uma das razões da existência da União Européia dá-se pelo sistemático programa de “emburrecimento” dos seus habitantes. Embora pareça incrível, tal esforço, para os bilderbergers, já vem obtendo “bons frutos”. A juventude de hoje, siderada pela “magia” do rock, ignora por completo a História, o real sentido das liberdades individuais e o significado mesmo do conceito de liberdade. Para os globalistas do CB, fica muito mais fácil lutar contra oponentes sem princípios.

    Abraços!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Seu comentário, consistente e lúcido, tão-somente vem enriquecer o nosso breve olhar sobre o sentido da Semana de 22. Obrigado por eles, os comentários, e pela visita ao blog.

      Excluir