Aliás, não é sem cabimento que ouso afirmar: no passado, aceitava-se melhor a situação. Todo mundo terá sabido, um dia, de casos de traição que pareciam fazer parte da vida dos casais -- fingia-se não existir e cada um procurava tocar sua vida da melhor maneira. Sei que, a esta altura, a leitora (ou o leitor) arma-se com sete pedras contra mim. Minutinho: óbvio que hoje, diferentemente do que era comum no passado, a mulher, sobremaneira, tem vida independente e, sabendo-se traída, desfaz o casamento sem que isso lhe faça, em termos práticos, a menor diferença. Não é o contrário que estou querendo dizer, mas, sim, levantar uma reflexão: se a traição é coisa menos traumática, quase fazendo parte das expectativas de vida de todo casal moderno (?), como afirma o articulista, e as mulheres confirmam (pelo que pude entender dos comentários publicados), por que essa experiência ainda leva tanta gente a se descabelar e sofrer, quando descoberta a relação fora do casamento?
É que, no fundo, nos relacionamentos, carregamos ainda dentro de nós valores que têm o seu equivalente no sentimento de posse. Quero dizer: mesmo quando o amor já tiver ido pelos ares, ninguém saberá ainda conviver com a perda, não da pessoa que se amou um dia (e que já não representará muito), mas do direito de posse, da disponibilidade da "coisa" que se poderá ter, sempre que desejada. E não estou me referindo aos homens, apenas. Mesmo as mulheres se desconstroem diante da doída novidade: "Não sou a única na vida dele!"
"Ninguém é de ninguém, na vida tudo passa. Ninguém é de ninguém, até quem nos abraça", recordo da estrofe de uma canção popular que a minha mãe cantava sempre. À época, portanto (a música de Cauby Peixoto é dos anos sessenta), o imaginário popular já procurava refletir sobre as perdas às quais me refiro -- e tentar encontrar explicações razoáveis para as desilusões amorosas. E no entanto, cinquenta e muitos anos depois, quando se pensa valorizar tanto a liberdade, uma crônica sobre a matéria, a exemplo de Amores Clandestinos, de Ivan Martins, continua a mexer com o 'inconsciente' das pessoas e a suscitar tanta divergência. Por quê?
Tempos atrás, referindo-me à desconfortável experiência de um ex-fumante ao lado de alguém com o cigarro aceso, escrevi numa crônica: "Para quem parou de fumar, o cigarro é como a ex-mulher, você está convencido de que não quer mais, mas não tolera vê-la na mão dos outros". É claro que, de tanto passar o tempo, um dia isto lhe será indiferente, mas, até chegar esse momento, muito machão ainda ficará sem saber aonde colocar as mãos. O equivocado sentimento de posse.
Olá, Álder!
ResponderExcluirOlha, curti demais o conteúdo abordado nesta crônica. Adoraria poder expor algumas opiniões, mas temo não pontuá-las (risos). Os anos nos permitem muitos pontos de vista, e cada um tem lá sua câmera escondida, ou não. Belíssima crônica.
Sucesso sempre!
Tudo bem, Alder?
ResponderExcluirParabéns pelo estilo claro ao escrever, pela clareza ao encadear as ideias, pelo conteúdo. Gostaria de levantar um fator na questão, que é o amor próprio. Já li em algum lugar que o pior para uma mulher é o não sentir-se mais amada, mais desejada. Então, ao saber-se traída, além do sentimento de perda da posse, há o “ele tem outra, então não sou mais amada, não sou mais desejada”. Mas, no frigir dos ovos, tanto os meninos quanto as meninas podem sair machucados. Um grande abraço, continue brindando-nos com seus textos.
José Luiz
Estimado amigo: antes de tudo, agradeço-lhe pelo privilégio que é tê-lo como leitor, sabedor que sou da sensibilidade estética do amigo e do critério de suas análises, de que, durante estada em BH,tenho podido acompanhar de perto na saudável convivência de hóspedes da dona Amélia.Suas ponderações, consistentes e corretas! Grande abraço deste 'escriba'!
ExcluirLapso: ... leia-se "as quais" ao invés "de que", como aparece na resposta acima!
ExcluirÁlder,
ResponderExcluirPrimeiro de tudo, gosto muito de suas crônicas. Leio sempre, embora não tenho opinado neste espaço, como agora faço. São muitas as reflexões que o seu texto traz, além de nos suscitar outras tantas. Mas, tentarei ser breve no meu comentário, tendo como base as suas palavras: "(...)por que essa experiência ainda leva tanta gente a se descabelar e sofrer, quando descoberta a relação fora do casamento?"
Acredito, Álder, que além do sentimento de posse tão bem pontuado por ti. O que mais preocupa homens e mulheres quando descobertos é sobre a própria imagem perante os outros,e não com o/a infiel em si. Aqui, reside o nosso egoísmo.Digo isso, principalmente, no caso dos casamentos de faz de conta. Claro que, cada caso é um caso. Portanto, não devemos julgar os outros, partindo de nossas impressões. Aqui, generalizo. Os homens que me desculpem, mas eles são bem mais frágeis do que as mulheres, quando se sentem traídos, por causa do machismo. Fato esse, que muitas vezes somos nós mães que os educamos assim. Embora, a infidelidade seja como você bem disse, algo que existe desde os tempos mais remotos, considero de fato, um assunto delicado. Tenho dúvidas se antes, mulheres/homens aceitavam melhor a infidelidade. Quantas histórias não foram registradas? Quantos sentimentos de homens e mulheres que sofreram ou massacraram uns aos outros, por conta desses relacionamentos clandestinos?
Um grande abraço da amiga,
núbia agustinha