Escrevo a coluna de hoje da cidade de Belo Horizonte, onde fixo residência pelos próximos dez ou doze meses. Deparo, claro, com uma capital ainda mais desenvolvida e imensa do que há coisa de uns dez, onze anos, quando aqui estive a última vez. À primeira impressão, contudo, é de que a metrópole de agora se distancia, cada vez mais, do sortilégio que seu nome tem. Não sem razão, pois, como um bom drummoniano, ocorre-me lembrar dos antológicos versos: "Sossega saudade minha, não me cicies mais o impróprio convite. Não quero ver-te mais, meu triste horizonte, meu destroçado amor".
O poeta escreveu essa estrofe antológica há muitos anos, lá pela segunda metade da década de 1970, quando uma companhia do ramo de mineração, com suas máquinas poderosas e insensíveis, começava a desfigurar as serras que cercam a capital mineira, deixando-as com uma aparência que lembra imensos dentes podres. Sem o verde que as cobria e as esculturais formas com que as mãos de Deus desenhara a natureza pródiga destas alterosas, de onde produzo 'estas mal traçadas linhas', numa noite fria e intimista de um quarto de hotel na Pampulha, Belo Horizonte parece outra cidade.
O ano, agora me recordo, era o de 1976. Carlos Drummond de Andrade, já morando no Rio, prometera, em protesto contra as ações criminosas da empresa, nunca mais retornar a Belo Horizonte, coisa que realmente nunca faria até sua morte em 1987. O poema, que serviria de instrumento de luta pela preservação do meio-ambiente (movimento, à época, ainda tímido, se comparado a hoje) é mesmo uma peça digna das mais exigentes antologias poéticas das literaturas de língua portuguesa. A uma dada altura, como que vibram em meus ouvidos esses versos compungidos e formalmente requintados: "Não voltarei para o que não merece ser visto, se revogado não pode ser".
Drummond morreria antes de ver, se não as montanhas, carcomidas (estes restos de uma beleza natural que jamais se reconstituirá), pelo menos a aplicação legal contra a continuidade do processo desfigurador da empresa, resultado da bravura do Greenpeace contra a exploração insana dos minérios que abundavam em suas entranhas. "Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. Quero não saber da traição de seus santos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos".
Andando pelas sinuosas e acidentadas avenidas desta cidade, que quase não reconheço mais, em meio a uma profusão do que se dizem obras para a Copa de 2014, foi impossível não lembrar do filho ilustre dessas Minas Gerais, quase a repetir, de cor: " Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade".
Este ano, diga-se, por oportuno, o Estado de Minas, Itabira à frente, regozija-se, como que numa ironia em face do que os meus olhos veem, pelos 110 anos desde o nascimento do maior e mais admirado poeta brasileiro de todos os tempos, autor dos versos que me vieram à mente e ao coração, em plena Via Contorno, nesta tarde fria e cinzenta da capital mineira.
O poeta escreveu essa estrofe antológica há muitos anos, lá pela segunda metade da década de 1970, quando uma companhia do ramo de mineração, com suas máquinas poderosas e insensíveis, começava a desfigurar as serras que cercam a capital mineira, deixando-as com uma aparência que lembra imensos dentes podres. Sem o verde que as cobria e as esculturais formas com que as mãos de Deus desenhara a natureza pródiga destas alterosas, de onde produzo 'estas mal traçadas linhas', numa noite fria e intimista de um quarto de hotel na Pampulha, Belo Horizonte parece outra cidade.
O ano, agora me recordo, era o de 1976. Carlos Drummond de Andrade, já morando no Rio, prometera, em protesto contra as ações criminosas da empresa, nunca mais retornar a Belo Horizonte, coisa que realmente nunca faria até sua morte em 1987. O poema, que serviria de instrumento de luta pela preservação do meio-ambiente (movimento, à época, ainda tímido, se comparado a hoje) é mesmo uma peça digna das mais exigentes antologias poéticas das literaturas de língua portuguesa. A uma dada altura, como que vibram em meus ouvidos esses versos compungidos e formalmente requintados: "Não voltarei para o que não merece ser visto, se revogado não pode ser".
Drummond morreria antes de ver, se não as montanhas, carcomidas (estes restos de uma beleza natural que jamais se reconstituirá), pelo menos a aplicação legal contra a continuidade do processo desfigurador da empresa, resultado da bravura do Greenpeace contra a exploração insana dos minérios que abundavam em suas entranhas. "Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. Quero não saber da traição de seus santos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos".
Andando pelas sinuosas e acidentadas avenidas desta cidade, que quase não reconheço mais, em meio a uma profusão do que se dizem obras para a Copa de 2014, foi impossível não lembrar do filho ilustre dessas Minas Gerais, quase a repetir, de cor: " Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade".
Este ano, diga-se, por oportuno, o Estado de Minas, Itabira à frente, regozija-se, como que numa ironia em face do que os meus olhos veem, pelos 110 anos desde o nascimento do maior e mais admirado poeta brasileiro de todos os tempos, autor dos versos que me vieram à mente e ao coração, em plena Via Contorno, nesta tarde fria e cinzenta da capital mineira.
Olá, Álder!
ResponderExcluirBelíssimo texto. Desejo sorte na empreitada que se inicia. Ah, e que maravilhosos versos estes de Drummond, hem! Ele, sem sombra de dúvidas, foi o maior dos nossos. Abraços e sucesso sempre!