terça-feira, 5 de março de 2013

Os bastidores de Psicose

Por força do julgamento do ex-goleiro Bruno, é natural que as conversas, aqui em BH, não raro se voltem para o assassinato de sua amante Eliza Samudio. Notadamente quando os indícios são de que o corpo da vítima tenha sido mesmo atirado aos cães, o que dá ao caso um caráter ainda mais monstruoso. Por coincidência, vem à tona esta semana um caso ocorrido nos Estados Unidos no ano de 1957, mais precisamente no vilarejo de Plainfield, no estado de Wisconsin, centro-oeste do país.
 
Lá, em meio à calmaria da vida rural, Ed Gein, um aparentemente pacato morador da região, cometeu um dos mais assustadores crimes de que se tem notícia. Uma série de crimes, sendo mais preciso. Para se ter ideia da monstruosidade do que fez, relato o cenário com que depararam os policiais tão-logo descoberto o envolvimento de Gein com o desaparecimento de pessoas e cadáveres do cemitério da localidade: havia no interior da casa dois pares de tíbias, dois lábios humanos dependurados num cordão, diversos narizes sobre a pia da cozinha, utensílios pessoais confeccionados com pele humana, sofás 'acolchoados' com carne ainda fresca, inúmeras cabeças de mulheres, terrinas de sopa feitas com a parte superior do crânio invertida e outras coisas que o meu estômago, a ponto de revirar, não me permite continuar descrevendo. Mas por que veio à tona esse fato tão horripilante? Ah, esclareço.
 
Relacionado ao caso, está nos cinemas de todo o país Hitchcock, que tem como pano de fundo os bastidores de um dos mais extraordinários sucessos cinematográficos de todos os tempos, Psicose (1960), baseado no romance homônimo de Robert Bloch. Fui ver e recomendo. Trata-se de filme dentro do filme, bem na linha do que examinou à perfeição, em livro conhecido, Ana Lúcia Andrade, professora de cinema da UFMG e minha orientadora em pesquisa de doutorado sobre Ingmar Bergman.
 
Pois bem, o filme de Sacha Gervasi entra fácil na lista dos grandes títulos do chamado metacinema, a exemplo de clássicos modernos inesquecíveis, como A noite americana, de François Truffaut, O Desprezo, de Jean-Luc Godard, ou mais remotos, como o maravilhoso O Crepúsculo dos deuses, de Billy Wilder. Entra sem pedir favores, pelas qualidades de forma e conteúdo com que Gervasi realizou o filme a partir do livro Alfred Hitchcock e os bastidores de psicose, de Stephen Rebello, estudioso e roteirista americano bastante respeitado.
 
O filme é um mimo para os aficionados de Hitchcock, principalmente os fãs de Psicose, sobre o qual ficamos sabendo detalhes bastante curiosos, como o fato de ter sido realizado, em parte significativa, por Alma Hitchcock, mulher do cineasta inglês. Para não falar de detalhes de filmagem da cena do banheiro, com seus 78 planos, uma das mais comentadas da história do cinema.
 
Em que pese discorrer sobre os bastidores da fita consagrada, no entanto, Hitchcock, agora em cartaz, aborda com fina competência outros aspectos estranhos à cinematografia, como o ciúme do casal em medida correspondente: Hitch e Alma vivem uma relação marcada por contradições, insegurança e, ao lado disso, uma admiração recíproca capaz de sustentar os dois juntos apesar do sofrimento e do medo aterrador da perda do outro. A cena em que o diretor se desmancha em elogios e tímidos afagos na atriz Janet Leigh, contratada para o papel de Marion Crane, durante um jantar, fazendo explodir o ciúme em Alma Hitchcock, é sublime. Sobretudo pela interpretação irrepreensível de Helen Mirren, bem à altura da atuação soberba de Anthony Hopkins como Hitchcock. Sem desmerecer Scarlett Joahnsson, cuja semelhança física com Leigh é impressionante, e a perfeição técnica com que construiu a sua personagem.
 
O filme, que começa e termina com Alfred Hitchcock dirigindo-se diretamente ao espectador, tem, ainda, um texto maravilhoso, que faz jus à genialidade do casal. Quase no final, quando o sucesso de Psicose, negando todas as expectativas, é finalmente realidade, Hitch faz, pela primeira vez, uma declaração de amor à mulher. Quando Alma diz ter esperado trinta anos por essas palavras, ele improvisa: - "Por isso sou considerado o rei do suspense!" Genial. Que pena ser tão curto este espaço no jornal. 
           

Um comentário:

  1. Prezado Álder

    Mais uma vez meus parabéns por sua crônica, que nos impele a ir correndo à locadora para alugar o filme. Lembro do "frisson" causado na época do lançamento de PSICOSE, que na época não assisti porque era "impróprio para menores de dezoito anos", mas que pude ver tempos depois. Motivado por sua crônica assistirei também o Hitchcock. Um forte abraço

    José Luiz

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