Da namorada, Ticiana Fiuza, vem um texto de Nizan Guanaes (dono do maior grupo publicitário do país) sobre o papa Francisco, que faço questão de socializar com os leitores da coluna. Foi publicado na Folha de S. Paulo em sua edição de 19 de março de 2013.
"Que coisa mágica é a vida. Estava chegando a Buenos Aires na semana passada para uma reunião de trabalho e jamais poderia imaginar que estivesse ali naquele dia para presenciar a mão do Espírito Santo e da história. Saí do aeroparque, o belo aeroporto ribeirinho da capital argentina, e fui até o hotel trocar de roupa antes da reunião. Liguei a televisão e, para minha surpresa, o papa já havia sido escolhido. Durante a próxima hora, eu e o mundo esperamos para ver que novo papa a fumaça branca nos traria. E eis que ele chegou. Surpreendente como a vida. Um argentino. E eu em Buenos Aires.
Começava ali uma aula de comunicação para o mundo que resume e mostra de maneira instintiva tudo o que os teóricos enchem a paciência e perdem um tempo enorme para explicar: a comunicação de 360 graus.
O cardeal Jorge Mario Bergolio mostrou sem PowerPoint nem lero-lero como uma palavra pode mudar tudo, como um nome pode ser capaz de transmitir para o mundo todo uma mensagem tão poderosa e precisa.
A palavra é de Francisco.
Francisco é uma palavra rica de significados num mundo pobre de significado. Francisco quer dizer 'coma' moderadamente num mundo obeso. Francisco quer dizer 'beba' com alegria num mundo que enfia a cara num poste. Francisco quer dizer consumo responsável em sociedades de governos e consumidores endividados. Francisco quer dizer o uso responsável do irmão ar, do irmão mar, do irmão vento e de todas as riquezas debaixo do irmão Sol e da irmã Lua.
Francisco é um freio de arrumação não só na Igreja Católica Apostólica Romana, mas na sociedade a quem ela deve guiar. Em 24 horas, Bergolio pegou uma instituição que estava emparedada e a tirou da parede, transportou-a dos intramuros do Vaticano para o meio da rua, para o meio do rebanho.
Comunicar é o papel da igreja. Para isso, foram escritos o Velho Testamento e o Novo Testamento, e Jesus não deixa dúvida quando disse aos apóstolos: "Ide e anunciai o Evangelho".
Ide, ao contrário do que faz a Cúria Romana, que dizer ir, não quer dizer ficar em Roma. Quer dizer ir e anunciar.
E anunciar hoje é muito mais do que o comercial de 30 segundos. Anunciar hoje é usar todas as ferramentas disponíveis, todos os pontos de contato com seu público. Papa Francisco sabe disso muito bem. Tanto sabe que muito antes de se apresentar ao mundo na sacada do Vaticano baixou um Steve Jobs nele, e, quando o monsenhor veio lhe oferecer uma veste toda rebuscada, Francisco retrucou: Se o senhor quiser, pode vesti-la, monsenhor, eu, não. O carnaval acabou.
É digno de reparo que Francisco não fez pesquisas nem testes antes de criar tudo isso. Não precisava. Foi buscar sua mensagem no DNA da igreja. E está escrevendo certo por linhas tortas.
Mesmo as coisas conservadoras que têm dito, coisas com as quais eu particularmente não concordo, são muito relevantes. A igreja não pode querer agradar a todo mundo. Ela tem que marcar territórios e significar coisas, e, ao fazê-lo, naturalmente exclui almas de seu rebanho.
Marca, design, conduta, relações públicas, endomarketing, alinhamento interno: "Habemus papa".
Francisco se utilizou de todos os recursos do marketing para passar sua mensagem rapidamente, com alto impacto e precisão, para o público interno e para o público externo.
Parece até que o 3G Capital assumiu o comando da igreja. Choque de gestão, orçamento base zero, alinhamento com a cultura perdida, volta às raízes, fé no trabalho, administração franciscana e disciplina de jesuíta de santo Inácio e professor Falconi.
Paradoxalmente, Francisco hoje acredita numa gestão mais parecida com Lutero do que com a tradição romana. Mas a igreja só teve que se enfrentar com Lutero porque ao longo do tempo se esqueceu da palavra Francisco.
"Que coisa mágica é a vida. Estava chegando a Buenos Aires na semana passada para uma reunião de trabalho e jamais poderia imaginar que estivesse ali naquele dia para presenciar a mão do Espírito Santo e da história. Saí do aeroparque, o belo aeroporto ribeirinho da capital argentina, e fui até o hotel trocar de roupa antes da reunião. Liguei a televisão e, para minha surpresa, o papa já havia sido escolhido. Durante a próxima hora, eu e o mundo esperamos para ver que novo papa a fumaça branca nos traria. E eis que ele chegou. Surpreendente como a vida. Um argentino. E eu em Buenos Aires.
Começava ali uma aula de comunicação para o mundo que resume e mostra de maneira instintiva tudo o que os teóricos enchem a paciência e perdem um tempo enorme para explicar: a comunicação de 360 graus.
O cardeal Jorge Mario Bergolio mostrou sem PowerPoint nem lero-lero como uma palavra pode mudar tudo, como um nome pode ser capaz de transmitir para o mundo todo uma mensagem tão poderosa e precisa.
A palavra é de Francisco.
Francisco é uma palavra rica de significados num mundo pobre de significado. Francisco quer dizer 'coma' moderadamente num mundo obeso. Francisco quer dizer 'beba' com alegria num mundo que enfia a cara num poste. Francisco quer dizer consumo responsável em sociedades de governos e consumidores endividados. Francisco quer dizer o uso responsável do irmão ar, do irmão mar, do irmão vento e de todas as riquezas debaixo do irmão Sol e da irmã Lua.
Francisco é um freio de arrumação não só na Igreja Católica Apostólica Romana, mas na sociedade a quem ela deve guiar. Em 24 horas, Bergolio pegou uma instituição que estava emparedada e a tirou da parede, transportou-a dos intramuros do Vaticano para o meio da rua, para o meio do rebanho.
Comunicar é o papel da igreja. Para isso, foram escritos o Velho Testamento e o Novo Testamento, e Jesus não deixa dúvida quando disse aos apóstolos: "Ide e anunciai o Evangelho".
Ide, ao contrário do que faz a Cúria Romana, que dizer ir, não quer dizer ficar em Roma. Quer dizer ir e anunciar.
E anunciar hoje é muito mais do que o comercial de 30 segundos. Anunciar hoje é usar todas as ferramentas disponíveis, todos os pontos de contato com seu público. Papa Francisco sabe disso muito bem. Tanto sabe que muito antes de se apresentar ao mundo na sacada do Vaticano baixou um Steve Jobs nele, e, quando o monsenhor veio lhe oferecer uma veste toda rebuscada, Francisco retrucou: Se o senhor quiser, pode vesti-la, monsenhor, eu, não. O carnaval acabou.
É digno de reparo que Francisco não fez pesquisas nem testes antes de criar tudo isso. Não precisava. Foi buscar sua mensagem no DNA da igreja. E está escrevendo certo por linhas tortas.
Mesmo as coisas conservadoras que têm dito, coisas com as quais eu particularmente não concordo, são muito relevantes. A igreja não pode querer agradar a todo mundo. Ela tem que marcar territórios e significar coisas, e, ao fazê-lo, naturalmente exclui almas de seu rebanho.
Marca, design, conduta, relações públicas, endomarketing, alinhamento interno: "Habemus papa".
Francisco se utilizou de todos os recursos do marketing para passar sua mensagem rapidamente, com alto impacto e precisão, para o público interno e para o público externo.
Parece até que o 3G Capital assumiu o comando da igreja. Choque de gestão, orçamento base zero, alinhamento com a cultura perdida, volta às raízes, fé no trabalho, administração franciscana e disciplina de jesuíta de santo Inácio e professor Falconi.
Paradoxalmente, Francisco hoje acredita numa gestão mais parecida com Lutero do que com a tradição romana. Mas a igreja só teve que se enfrentar com Lutero porque ao longo do tempo se esqueceu da palavra Francisco.
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