sexta-feira, 5 de julho de 2013

O livro moderno e imortal de Cervantes

Vira e mexe, alunos querem saber que livro considero o mais importante de todos os tempos. Se antes a pergunta me embaraçava, posto que são tantos e tantos os livros que julgo indispensáveis, hoje, numa tentativa de ser mais econômico na minha resposta, não titubeio mais: Dom Quixote, a novela do espanhol Miguel de Cervantes. Li-o, uma primeira vez, ainda menino, numa versão resumida para adolescentes. Minhas limitações, à época, impediam que percebesse a violência que eram tais adaptações, quase sempre mutilando a narrativa naquilo que lhe é mais essencial.
 
Algum tempo depois, já mais familiarizado com a grande literatura, 'devorei' a história (recuso-me a usar a palavra "estória") do engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, como se faz ao bom sorvete, sem deixar de lamber os beiços durante os dias em que me debrucei sobre suas quase oitocentas páginas. Desde então, faço-o sempre que posso, abrindo o volume ao acaso, muitas vezes, que não há página perdida nesse clássico da modernidade. Da modernidade, sim, pois muito embora publicado em inícios do século XVII, pode com rigor ser considerado o livro inaugural da modernidade, um exemplo perfeito de metalinguagem, em que as fronteiras entre autor e narrador são absolutamente rompidas, e a pluralidade de vozes é mesmo um traço da genialidade estilística do escritor.
 
O livro foi inúmeras vezes adaptado para o cinema. Boas adaptações, diga-se de passagem, com destaque para as de Orson Welles e Kozintsev, ambas encontráveis em DVD. Dia desses, recebendo-a de presente de um amigo, vi a versão de Arthur Hiller, baseada no musical da Broadway, de Dale Wasserman. O filme é maravilhoso, com uma direção de atores que impressiona pela lealdade aos perfis psicológicos traçados por Cervantes. Um filme quixotesco no bom sentido da palavra, em que a loucura e ingenuidade da personagem central é a forma irônica com que o autor denuncia a inversão de valores, já durante a Idade Média, pela sociedade.
 
A cena em que Peter O´Toole canta para Sophia Loren The Impossible Dream, arrepia, evidenciando a força do sonho ante um mundo de insensibilidade e desamor: Sonhar mais um sonho impossível, / lutar, quando é fácil ceder, / vencer o inimigo invencível, / negar, quando a regra é vender.
 
A versão brasileira da letra, sabe-se, é de Chico Buarque e Ruy Guerra, por sinal mais feliz poeticamente falando, como pode-se concluir da leitura da última estrofe: E assim, seja lá como for, / vai ter fim a infinita aflição / e o mundo vai ver uma flor brotar / do impossível chão.
 
Digo por quê na semana que vem.
           

Um comentário:

  1. Prezado Álder

    Mais uma vez você acerta em cheio. Dom Quixote mergulha nas profundezas da natureza humana de maneira perfeita. Lendo o livro quase cheguei às lágrimas, muitas vezes ri sozinho,quanto me fez refletir!!! Parabéns por sua crônica, que sempre nos brinda com comentários muito pertinentes. Um forte abraço
    José Luiz

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