sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O Ceará no circuito do grande cinema

Maior fenômeno de bilheteria da atualidade (22 mil pessoas em três dias de exibição), Cine Holliúdy, do cearense Halder Gomes, será submetido a um público tradicionalmente mais exigente a partir da próxima semana, nomeadamente o eixo Rio-São Paulo, para quem o misto de artes marciais e comédia regional certamente constituirá um prato cheio para o exercício do preconceito histórico contra o Nordeste. É que o filme, construído num discurso meta-cinemático que lembra de perto o Tornatore, de Cinema Paradiso, para não falar do Ettore Scola, de Nós nos amávamos tanto, notabiliza-se pelo registro hilário do falar de um segmento da população cearense, tomando a parte pelo todo, num tipo de escracho que desliza entre o engraçado e o humilhante.
 
Não que Cine Holliúdy não tenha qualidade enquanto artefato fílmico. Antes pelo contrário, vê-se por trás da câmera um diretor de talento e domínio absoluto da linguagem cinematográfica, de cuja sensibilidade e rigor estético resultam estratégias narrativas extremamente bem-sucedidas, em que pesem as limitações de produção que saltam aos olhos mesmo dos espectadores menos atentos. Nesse prisma, pois, é que o filme de Halder Gomes poderá surpreender Brasil afora, reeditando o sucesso nos cinemas do Ceará e, o que é provável, nos demais estados da região.
 
O filme é uma versão estendida de Cine Holliúdy - O Artista Contra o Cabra do Mal, o premiadíssimo curta-metragem com que Halder Gomes venceu o Edital no Ministério da Cultura de Curtas-Metragens em 2004. Narra as peripécias de Francisgleydsson (Edmilson Filho), o dono de um pequeno cinema que vive o drama de concorrer com a televisão em meio a um cenário de pobreza e nível de educação baixíssimo. Esta a razão por que Halder Gomes, como roteirista, pega pesado na retratação do povo cearense, indo além do que, rigorosamente, corresponde à realidade. Nesse sentido, cria situações que parecem contrafeitas, na intenção de explorar o palavroso como elemento de sustentação do filme, no que, aliás, obtém bom resultado, notadamente para um público, como o nosso, afeito ao humorismo escrachado bem ao estilo de Falcão, por sinal um dos nomes "de peso" do elenco.
 
Sob este aspecto, no entanto, é mesmo o ator Edmilson Filho, o dono do cinema, quem rouba a cena do começo ao fim de Cine Holliúdy, sobremaneira na última sequência, quando, diante da impossibilidade de continuar a projeção (o projetor apresenta defeito), resolve entreter o público contando o filme de lutas marciais em que ele próprio interpreta os lutadores. É, de fato, um momento sublime, desses capazes de, por si só, justificar o sucesso de um filme. 
 
No mais, Cine Holliúdy não corresponde, em tudo, ao que já se conhece do seu diretor. A utilização de legendas em português, a propósito, um artifício capaz de criar um certo estranhamento, seria desnecessária, não fosse a qualidade sonora do filme extremamente ruim, sobretudo no que diz respeito ao som diegético, aquele que faz parte da ficção, a história propriamente dita do filme, ruídos e falas das personagens, por exemplo. Isto porque o texto que aparece no quadro é quase rigorosamente o mesmo da fala dos atores. Com tudo isso, no entanto, o filme de Halder Gomes haverá de colocar o Ceará no circuito do grande cinema nacional. O que não é pouco, diga-se em tempo.
 
 
 
 

Um comentário:


  1. Prezado Álder

    Valendo-me dos comentários por não ter ainda tido a oportunidade de assistir o filme, não acredito que o filme irá provocar o exercício de preconceito contra o nordeste. Tradicionalmente o nordeste sempre brindou o Brasil com consagrados comediantes, e acredito que a grande maioria vai apreciar o filme sob esse ponto de vista. Os "cinéfilos" certamente reconhecerão o valor artístico. Diga-se de passagem, estou ansioso para poder assisti-lo.
    Um forte abraço
    José Luiz

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