quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A Esfinge pós-moderna

Não me aventuro a negar o óbvio, nunca o fiz. A coisa de um mês do primeiro turno, é inequívoco que a tendência indica uma probabilidade enorme de Marina Silva ser eleita presidente do Brasil. Vencendo Dilma no segundo, claro. Até aí, tudo bem. Faz parte do jogo democrático. O que me preocupa, como deveria preocupar a todos  --  inclusive a seu eleitores  --  é o que resultará disso. Não que feche os olhos para o que todos sabem: Marina tem uma história digna da admiração e do respeito de qualquer pessoa minimamente informada sobre as lutas populares no País. Não à toa, teria dito sobre ela outro brasileiro valente, Zé Dirceu, para quem "Marina é o Lula de saias!"
 
Refiro-me ao fato de que o tempo (e as injunções políticas, por certo) fez dela uma Esfinge pós-moderna, tipo aquele monstro fabuloso da mitologia, com corpo, garras e cauda de leão, cabeça de mulher, asa de águia e unhas de harpia, que propunha enigmas aos viajantes e devorava aqueles que não soubessem decifrá-los. Não sem razão, se pode ver, o mito se tornou símbolo de todo homem ou mulher enigmática, de quem não se sabe o que sente ou pensa. Vejamos.
 
Marina se diz comprometida com os trabalhadores, mas tem à frente de sua campanha, em matéria econômica, Nica Setubal, maior acionista do Banco Itaú; propõe coerência ideológica, mas sonha governar tendo ao lado Lula e FHC; dorme como defensora dos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais), mas acorda, sob pressão do pastor Fábio D'Araújo Filho, aquele que se tornou conhecido pelo "dossiê Cayman", retirando do seu programa de governo o que defendia na noite anterior; passou a vida opondo-se ao agronegócio, mas tem como vice o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), defensor intransigente do mesmo, e dos fabricantes de armas, no Congresso.
 
Para não falar que foi católica e quase se tornou freira na adolescência, mas se converteu evangélica em fins dos anos 1990, adotando o pentecostalismo. Hoje, atua como missionária da Assembleia de Deus do Plano Piloto (Novo Dia), mas fora, antes, ligada à Assembleia Bíblica da Graça, de Brasília. Tipo "novo crente", não toma qualquer decisão sem consultar a Bíblia, mas o faz, aleatoriamente, abrindo-a ao acaso para justificar suas tomadas de posição. Foi assim que decidiu se somar a Eduardo Campos, afirmando ter escutado "um chamado de Deus", expresso num salmo da página fortuita.
 
Seu discurso, perpassado de substantivos como "transparência", "correção", "lisura" etc., silencia quando é indagada sobre o caixa 2 de sua campanha, que tornou possível a aquisição do jatinho em que voava Brasil afora, mesmo quando confirmada a origem do dinheiro: empresas fantasmas e um humilde vendedor de peixe, sem qualquer lastro financeiro, que afirmou desconhecer o negócio e jamais ter sequer entrado numa aeronave.
 
Promete mundos e fundos, como dizem os mais simples, mas vacila quando lhe perguntam de onde virá o dinheiro, os dez por cento "assegurados" para a Saúde, por exemplo. Quem sabe, na "sonhática" proposta, esteja contando com a ajuda da porção rica de sua base de apoio, como "Guilherme", um dos seus gurus, que divide com Chico Mendes, o seringueiro assassinado no Acre em 1988, o escaninho sagrado de suas devoções na política. Em tempo: Guilherme é o empresário Guilherme Leal, da Natura, uma das maiores fortunas do País.
 
Como a Esfinge grega, pois, Marina vai impondo aos eleitores brasileiros, seduzidos por seu encanto, desafiadores enigmas. Para devorar quem não souber decifrá-los, claro. Mesmo o Brasil inteiro. 
 
 
 
 
 

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