sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Reavaliar certezas e convicções

De um amigo vem o elogio incontido à revista Veja pelo fato de liderar número de vendas no país. A mensagem, que envia pelo facebook, não se tratasse de um entusiasmo subjetivo, direito sagrado de cada um, não apenas em termos de escolhas de leitura, e que dá a ver o que se considera nos meios acadêmicos uma visão ingênua, bem na perspectiva do que examina Umberto Eco, o semioticista italiano, constitui, todavia, um tipo salutar de provocação, o que justifica o conteúdo da coluna de hoje. Vamos lá.
 
O fato de liderar demanda de leitores, querido amigo, não diz da qualidade de revistas e jornais. Antes pelo contrário, serve acima de tudo para evidenciar o perigo que algumas dessas publicações representam para o interesses mais legítimos das pessoas, pelo menos em ângulos possíveis de percepção do que é realmente importante para a maioria delas. Refiro-me ao conjunto de pessoas que falam a mesma língua, têm costumes e necessidades semelhantes, história e tradições comuns, que, na falta de novidades linguísticas, ainda chamamos de povo.
 
O texto jornalístico (as tais matérias que asseguram aos leitores as informações, como afirma), enquanto discurso construído, na linha do que professam os pós-estruturalistas a que faço, sob alguns aspectos, as minhas restrições (Foucault, Derrida, Deleuze etc.), tem por objetivo produzir determinados sentidos. Legitimar o ideário da ditadura, fortalecer os interesses da direita mais reacionária, manipular a divulgação dos fatos (e os fatos!), por exemplo, são sentidos e intencionalidades possíveis, bem na linha do que faz à perfeição a revista ora exaltada pelo amigo.
 
O texto jornalístico, insisto, desde a sua produção, ainda sob o burburinho de qualquer redação (refiro-me ao ambiente dedicado à escritura das matérias de jornais e revistas), seleciona maneiras de encaminhar o leitor, de conduzi-lo para interpretações condizentes com o que interessa a gregos ou troianos, formando opinião acerca da "realidade", com o intuito de obter dividendos de naturezas as mais diversas. Vou mais longe, de construir pelo uso inconfessável das potencialidades da linguagem a própria "realidade".  Para ficar mais claro, pergunto-lhe, amigo, o que é a realidade? Como a percebemos? De que modo a "informação" de uma revista como a Veja é capaz de revelar o real, objeto do seu entusiasmo com o fato de ser ela a revista mais vendida no país?
 
Ocorre-me lembrar de um filme maravilhoso a que assisti faz muito tempo, e que se chama O enigma de Kaspar Hauser, de Werner Herzog (1974). Não vou contá-lo, atitude condenável para qualquer cinéfilo, mas recomendo-o ao amigo e leitores desta coluna, pela forma como o filme discute emblematicamente bem, à luz do que importa no campo das Ciências Humanas, as relações entre linguagem, percepção, conhecimento e realidade.
 
É possível que ao seus olhos, amigo, as matérias "informativas" da referida revista Veja não traduzam se não a mais pura realidade, este mundão estável e inalterável de sons, cores, formas, espaços e movimentos. É possível que jamais se lhe torne plausível compreender que, em verdade, tudo isso não passe de uma ilusão construída pelo discurso editorial de uma publicação que esteve, sempre, empenhado em fortalecer a lógica do capital e dos que dele se beneficiam muitas vezes de forma indecente.
 
A essa altura, meu caro, cabe perguntar: até que ponto essa "informações" condizem com a realidade extralinguística? Não é preciso ir ao encontro de teorias as mais diversas, no território da ciência da linguagem, da semiologia, da antropologia, da análise do discurso, da filosofia, para perceber o que pretende o jornalismo da revista Veja,  e de jornais e tevês que estão à frente em termos de vendagem e prestígio no Brasil de hoje. É bastante, quem sabe, ficar mais atento a fim de reavaliar certezas e convicções, abrindo os olhos para o que repousa, no silêncio das entrelinhas, como arma de construção de falsas "realidades".
 
Abraço forte!
 
 
 
 
           

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