quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A sentença

É de Platão (428-348 a.C.) uma das mais belas alegorias de que se tem notícia: o Mito da Caverna. As pessoas, acorrentadas, como se estivessem num "cinema" remoto, olham para a parede onde se veem sombras, provenientes de uma grande fogueira. São essas sombras que, aos olhos dos homens aprisionados, constituem o que chamam de realidade. A partir delas, todos fazem suas interpretações. Certo dia, diz Platão, um desses homens se liberta das amarras e sai da caverna. A princípio, pelo excesso de luz, não consegue enxergar com perfeição as coisas, até que seus olhos habituem-se com a claridade plena. É aí que pode compreender que a realidade é outra coisa, muito diferente do que pensara.
Para Platão, pois, não vemos nada além de sombras. Se sairmos da caverna, haveremos de deparar com a luz do Sol, símbolo da sabedoria, da consciência que nos permitirá entender que a realidade é bem diferente do que pensávamos. É que estamos acorrentados na escuridão da ignorância e vemos, projetadas na parede dessa grande caverna, apenas sombras. Com o Mito da Caverna, Platão constrói sua mais veemente crítica à política. Nela, tomamos sombra por realidade, mentira por verdade. No Brasil de hoje, a alegoria de Platão deveria ser leitura obrigatória. É que nunca o seu conteúdo foi tão atual e a sua mensagem tão oportuna.
Hoje em dia não existem mais espaço público e espaço privado. Em Raízes do Brasil, livro memorável, Sergio Buarque de Hollanda já tratara disso numa outra perspectiva. Vilém Flusser, filósofo que viveu aqui por muitos anos, fez reflexões impagáveis sobre o assunto. 
Para ele, é no apagamento da fronteira entre o público e o privado que reside a essência do que se costuma considerar a revolução da comunicação. Quando nos reunimos diante da TV, na sala de casa, por exemplo, uma empresa privada "vende" sua interpretação da vida pública como lhe convém. Projetam para nós as sombras de que nos falou Platão. Não há política que mereça esse nome quando o privado confunde-se com o público, digo melhor: quando os interesses das grandes empresas privadas invadem a nossa privacidade como o faz a TV Globo, projetando de forma prodigiosa diante de nós as suas falácias e a sua inconfessável versão dos fatos.
É isso que chamam política, diz Flusser: "Mas na verdade estamos conectados às mídias e não politicamente. Quando queremos ter uma imagem do mundo, não vamos para o espaço político, vemos televisão".

O pior é que fazem o mesmo as "publicações" mais lidas no Brasil, jornais e revistas que se aparelham para projetar sombras sobre a realidade do País, por si só, tão difícil. À luz do Sol, o que se vê é o anúncio de um massacre: "Como é que ainda se pode condenar o sujeito? No máximo  --  diz Flusser  --  pode-se pronunciar uma sentença. Pode-se dizer: 'Esse homem está em situação que é melhor eliminá-lo'. Mas isso não é mais uma pena de morte, é uma técnica social. Não é mais política". 

 
 
 
 

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