Uma coisa de que não abro mão nas minhas viagens é percorrer as livrarias de cada cidade. Se se trata de uma cidade em que o número de livrarias é incalculável, como São Paulo ou Buenos Aires, onde estive uma única vez e não pude visitar suas centenas de livrarias, escolho as principais, mas faço o meu tour impreterivelmente.
São Paulo é, nesse aspecto, um sonho, e, salvo engano, tem o dobro de livrarias que o Rio, por exemplo, o segundo colocado no país em número. Certa vez, estando com S. e Saulo na cidade, fomos hóspedes do amigo Hildeberto Argolo, que morava em Vila Mariana. Lembro que, primeira ou segunda vez estando em São Paulo, fiquei ansiosíssimo por visitar as livrarias mais conhecidas da cidade. Foi aí que S., esperta que só, propôs uma votação: ia-se ou não a livrarias? Hildeberto não tinha o hábito de ler, e Saulo, meu filho, criancinha ainda, foi 'desonestamente' arrolado entre os pesquisadores. Placar: 3 x 1, contra.
E ficamos uma semana fazendo outros programas nessa cidade fantástica, com seus restaurantes incomparáveis, sua vida cultural intensa e seus centros culturais imperdíveis. Já aí, então, nessa primeira visita à capital paulista, pus por terra um preconceito comum àqueles que, como eu, amam o Rio de Janeiro e, injustamente, detraem São Paulo.
Depois, muitas vezes, estive nessa cidade-mundo, a mais cosmopolita das cidades brasileiras, com suas excentricidades, seus costumes tão díspares, suas noites maravilhosas… Acho que gostar de São Paulo é um cair de ficha ante a lógica de uma cidade menos brasileira e mais européia. Não considero, a exemplo do que equivocadamente pensei por tanto tempo, que o paulistano seja frio, burocrático e aferrado à vida produtiva. Diferentemente de uns poucos com que deparamos aqui e além, verdadeiros chatos de galocha.
Estando em São Paulo, como no Rio ou Belo Horizonte, o que importa é saber explorar a 'personalidade' da cidade, aquilo que a faz diferente das outras, que constitui a marca da sua individualidade, que lhe confere a consciência de sua identidade.
Mário de Andrade, o papa do modernismo brasileiro, que escreveu tantos e tão belos poemas sobre São Paulo, onde nasceu, foi a fundo na compreensão dessa cidade tão paradoxal e indefinível: "Garoa do meu São Paulo / – Timbre triste de martírios. / Um negro vem vindo, é branco! / Só bem perto fica negro. / Passa e torna a ficar branco. / Meu São Paulo da garoa, / Londres das neblinas finas. / Um pobre vem vindo, é rico! / Só bem perto fica pobre. / Passa e torna a ficar rico. / Garoa de meu São Paulo / – Costureira de malditos. / Vem um rico, vem um branco. / São sempre brancos e ricos. / Garoa, sai dos meus olhos."
Mas foi um nordestino, até onde sou capaz de ver, quem melhor leu a cidade de São Paulo, quem a disse com a sensibilidade e a competência de um gênio: "Alguma coisa acontece no meu coração, / e só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João. / É que quando eu cheguei por aqui / eu nada entendi / da dura poesia concreta de tuas esquinas, / da deselegância discreta de tuas meninas. […] Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas, / da força da grana que ergue e destroi coisas belas, / da feia fumaça que sobre apagando as estrelas, / eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços, / tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva."
A genialidade de Caetano Veloso.
São Paulo é, nesse aspecto, um sonho, e, salvo engano, tem o dobro de livrarias que o Rio, por exemplo, o segundo colocado no país em número. Certa vez, estando com S. e Saulo na cidade, fomos hóspedes do amigo Hildeberto Argolo, que morava em Vila Mariana. Lembro que, primeira ou segunda vez estando em São Paulo, fiquei ansiosíssimo por visitar as livrarias mais conhecidas da cidade. Foi aí que S., esperta que só, propôs uma votação: ia-se ou não a livrarias? Hildeberto não tinha o hábito de ler, e Saulo, meu filho, criancinha ainda, foi 'desonestamente' arrolado entre os pesquisadores. Placar: 3 x 1, contra.
E ficamos uma semana fazendo outros programas nessa cidade fantástica, com seus restaurantes incomparáveis, sua vida cultural intensa e seus centros culturais imperdíveis. Já aí, então, nessa primeira visita à capital paulista, pus por terra um preconceito comum àqueles que, como eu, amam o Rio de Janeiro e, injustamente, detraem São Paulo.
Depois, muitas vezes, estive nessa cidade-mundo, a mais cosmopolita das cidades brasileiras, com suas excentricidades, seus costumes tão díspares, suas noites maravilhosas… Acho que gostar de São Paulo é um cair de ficha ante a lógica de uma cidade menos brasileira e mais européia. Não considero, a exemplo do que equivocadamente pensei por tanto tempo, que o paulistano seja frio, burocrático e aferrado à vida produtiva. Diferentemente de uns poucos com que deparamos aqui e além, verdadeiros chatos de galocha.
Estando em São Paulo, como no Rio ou Belo Horizonte, o que importa é saber explorar a 'personalidade' da cidade, aquilo que a faz diferente das outras, que constitui a marca da sua individualidade, que lhe confere a consciência de sua identidade.
Mário de Andrade, o papa do modernismo brasileiro, que escreveu tantos e tão belos poemas sobre São Paulo, onde nasceu, foi a fundo na compreensão dessa cidade tão paradoxal e indefinível: "Garoa do meu São Paulo / – Timbre triste de martírios. / Um negro vem vindo, é branco! / Só bem perto fica negro. / Passa e torna a ficar branco. / Meu São Paulo da garoa, / Londres das neblinas finas. / Um pobre vem vindo, é rico! / Só bem perto fica pobre. / Passa e torna a ficar rico. / Garoa de meu São Paulo / – Costureira de malditos. / Vem um rico, vem um branco. / São sempre brancos e ricos. / Garoa, sai dos meus olhos."
Mas foi um nordestino, até onde sou capaz de ver, quem melhor leu a cidade de São Paulo, quem a disse com a sensibilidade e a competência de um gênio: "Alguma coisa acontece no meu coração, / e só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João. / É que quando eu cheguei por aqui / eu nada entendi / da dura poesia concreta de tuas esquinas, / da deselegância discreta de tuas meninas. […] Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas, / da força da grana que ergue e destroi coisas belas, / da feia fumaça que sobre apagando as estrelas, / eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços, / tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva."
A genialidade de Caetano Veloso.
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