quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Duas palavras sobre Bergman

Bergman nasceu em Uppsala, Suécia, há exatos 100 anos. Antes de tornar-se o cineasta de imenso prestígio, Bergman foi diretor de teatro aplaudido pela crítica especializada e adorado por seu público.

 

Como dramaturgo, montou algo em torno de 200 peças, dirigindo montagens teatrais de renomados autores, a exemplo de Henrik Ibsen, Bernard Shaw, August Strindberg, de quem sofreu imensa influência depois, como diretor de cinema, e William Shakespeare.

Mas foi mesmo como cineasta que Ingmar Bergman viria a ocupar um lugar inatingível entre os maiores nomes da História do Cinema. Sua estreia se deu em 1946, mas é importante frisar que já tinha feito sua incursão no mundo cinematográfico meses antes, como roteirista do filme Tormento, de Alf Sjoberg, a quem Bergman considerava um mentor. O filme seria premiado com A Palma de Ouro em 1946.

É importante destacar que, além de roteirista, Bergman dirigiu a última sequência do filme, sequência esta que se notabiliza pela pegada pessoal do futuro cineasta: pode-se constatar o anúncio de um diretor meticuloso no uso dos meios, com enquadramentos inusitados, angulações ousadas e movimentos de câmera suaves e estilizados, o que dá ao filme de Alf Sjoberg um ritmo narrativo condizente com o desfecho dramático da história.

Não havendo oportunidade para abordar a trajetória desse notável diretor, o que demandaria muito tempo, e só disponho de sete minutos, gostaria de, em poucas palavras, traçar um rápido perfil estético do realizador.

Bergman é antes de tudo um investigador da alma; um profundo estudioso dos grandes conflitos do ser humano e das aterradoras contradições existenciais; um cineasta das grandes paixões do homem, um analista da complexidade do sentimento que denominamos Amor; um retratista da incomunicabilidade; um artista que mergulha como poucos no âmago do inconsciente e percorre com estilo inconfundível os corredores que levam aos abismos mais fundos e, mesmo, ao inferno da condição humana.

Por isso, por essas características do extraordinário intérprete da psicologia humana, pelo mergulho inigualável (em termos cinematográficos) que dá na sondagem do que move o homem e o faz ser o que é, Bergman foi exaustivamente examinado na perspectiva dos conteúdos que soube explorar como nenhum outro.

Mas, o esteta, o diretor de uma arte específica, que tem uma gramática própria e, enquanto linguagem, requer o domínio de sua ferramenta do ponto de vista técnico, quem foi ele? Por que foi capaz de fazer com os recursos dessa linguagem muito mais do que foi possível a quase todos os outros grandes nomes do Cinema? Este, pois, é o aspecto que me seduziu tanto quanto o roteirista magnífico que foi.

É para este aspecto que gostaria de chamar a atenção dos senhores ao assistirem ao filme Saraband (2003).

Reparem nos enquadramentos desconcertantes; na angulação da câmera e nos seus movimentos; atentem para a beleza da imagem no quadro; para o uso criterioso do texto dramático; para a articulação dos planos (tomando-se aqui o tempo que vai do ligar da câmera ao corte); para a sensibilidade com que pontua o ritmo fílmico; para o que existe de simbólico em cada frame e para a poesia dos detalhes em cada cena e sequência. Enfim: atentem para as estratégias narrativas com que Bergman constrói esse que é o último filme de sua autoria.

Vejam o filme com devotamento, como quem houve uma sinfonia ou bebe um bom vinho  --- Para que possam constatar o que diz de cada um de nós; das nossas incertezas; de nossas emoções mais indomáveis; da nossa insegurança e do lado tenebroso do que somos ou daquilo em que poderemos nos transformar. Mas, acima de tudo, reparem na beleza da arte de Ingmar Bergman.

(Fala introdutória à obra de Ingmar Bergman, em seminário por ocasião dos cem anos do cineasta)

 

 

Alder Teixeira lança novo livro

Como parte da programação levada a efeito em todo o país em homenagem ao centenário de nascimento do cineasta Ingmar Bergman, um dos expoentes da sétima arte, o escritor iguatuense Alder Teixeira lançará nessa quinta-feira 30, na Faculdade Ari de Sá, em Fortaleza, o livro Ingmar Bergman: estratégias narrativas. O ensaio gira em torno dos procedimentos estéticos adotados pelo diretor sueco, constituindo uma contribuição nova para a fortuna crítica do artista, comumente estudado na perspectiva do conteúdo de sua vasta filmografia. No seu livro, Alder Teixeira examina a narrativa de Bergman, os meios estéticos de que lança mão como diretor de cinema original e singularmente rico. O livro, assim, vem sendo aguardado com entusiasmo nos meios intelectuais do Estado e do Brasil, uma vez que as referências ao trabalho, como consta das declarações a que o jornal A Praça teve acesso, são as mais elogiosas, mesmo de estudiosos de grande prestígio no Brasil, a exemplo da escritora Lilia Moritz Schwarcz, para quem "o novo livro de Alder Teixeira constitui importante contribuição para o debate em torno de um dos nomes mais importantes do cinema". O comentário da escritora paulista vai além: --- "O texto de Alder Teixeira é seguro, vigoroso, elegante. O livro, diz ela, notável". Por telefone, o jornal A Praça ouviu o escritor:

 

A Praça - Quais as suas expectativas em relação ao livro?

Alder - Nunca fui, como escritor, um entusiasta do que eu mesmo escrevo. Tenho consciência de que, mesmo depois de tanto tempo me dedicando à escrita, ainda tenho muitos defeitos de estilo. Mas fico feliz com as avaliações feitas até aqui sobre o meu trabalho. É um estudo muito minucioso da obra de Bergman, um realizador complexo, profundo e extremamente exigente em tudo que fez como artista. É uma contribuição, um olhar a mais sobre o cinematografia de um gênio do cinema.

A Praça - Pensa em lançar o livro em Iguatu?

Alder - Tenho a consciência de que o livro não agradará a muita gente, pois se trata de um estudo acadêmico sobre o cineasta Ingmar Bergman. Seu público, portanto, tende a se circunscrever aos amantes do cinema. Mas penso, sim, em lançá-lo em Iguatu, que é a minha terra, onde o meu amor pela sétima arte teve início, nos cines São José e Alvorada. Meu pai, Deusdedith Teixeira, gostava de faroeste e me levava para assistir aos filmes de John Ford, Sérgio Leone, que foi, com o seu clássico Era uma vez no Oeste, o meu primeiro professor de cinema. E o meu irmão Emídio Neto, que, como eu não soubesse ler, lia para mim as legendas dos filmes. E aqui estão meus maiores amigos, que haverão de prestigiar o lançamento do livro, se vier a ocorrer.

A Praça - Este jornal, para o qual você escreve semanalmente há muitos anos, apoiará essa iniciativa.

Alder - Sei disso. Aqui me sinto em casa duplamente, como filho desta terra, que amo, e como colaborador do jornal A Praça. Seus diretores, Paulo de Tarso e Roberto Duarte, sua equipe editorial, enfim, é composta de grandes amigos, gente que admiro e por quem nutro um enorme carinho.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

A jararaca está viva

É de dar pena a angústia que a grande imprensa brasileira, ecoando parte de uma elite despudorada do país, vive a cada pesquisa de intenção de voto para presidente. Agora, mal divulgados os números do Ibope, que apontam um novo crescimento do ex-presidente Lula em relação ao segundo colocado, Jair Bolsonaro  ---  37% e 18%, respectivamente  ---, foi a vez do jornal O Globo, cuja manchete da edição de hoje, 21 de agosto de 2018,  reproduzo aqui: "Sem Lula, Bolsonaro lidera corrida eleitoral".

Desfaçatez à parte, o jornal manipula a notícia a fim de tirar qualquer vantagem disso na sua incontida ojeriza ao candidato do PT, pisoteando os mais elementares princípios do bom jornalismo. Para a corriola de Roberto Marinho, o importante é passar para o leitor a impressão de que a disputa se dará entre Bolsonaro e um outro candidato da direita, afastada, pois, a hipótese de que Lula, como tudo indica, confirmará a presença de Fernando Haddad no segundo turno. Isso, claro, porque todos sabem: o esquema, um gigantesco conluio envolvendo imprensa, elite empresarial e o Judiciário, jamais deixará o líder de todas as pesquisas concorrer.

Na mesma edição, a propósito, O Globo traz um artigo, assinado por Carlos Andreazza, que faço questão de comentar em palavras ligeiras, imperdível que é a baboseira do articulista ao tecer considerações sobre o que considera "a estratégia político-eleitoral de Lula". Em favor do jornalista, diga-se em tempo, a sua "análise" parte de um princípio que seu próprio patrão teima em não aceitar: Lula, mais uma vez, revela-se um político hábil, e, como que tirando leite de pedra, poderá mesmo, com certa folga, levar o seu substituto ao segundo turno.

Até aí tudo bem; o articulista trabalha com um raciocínio lógico, e, na contramão da Globo, reconhece o que vem se configurando como a única certeza do espectro político brasileiro hoje: tudo o que se fez, por mais inconfessáveis que tenham sido as "convicções" por que se orientaram imprensa, elite empresarial e Judiciário, no sentido de apagar a presença de Lula no processo, foi pouco. Mais do que nunca, ainda que preso sem uma causa que eticamente se sustente, Luiz Inácio Lula da Silva é "senhor e âncora do tabuleiro", para usar das palavras do próprio Andreazza.

Mas o jornalista vai além. Mente, distorce, interpreta como bem entende o plano de governo do PT; considera Haddad "uma superfície plana", como a insinuar que, eleito, Fernando Haddad trairá o que chama, apropriando-se de André Singer, de lulopetismo. Desce às profundezas da maldade; como um réptil peçonhento, cospe a um lado e outro, a fim de ser fiel ao jornal O Globo e tentar tirar proveito de sua maldade e do seu jornalismo desavergonhado. Quanto mais mexe, pior fica.

Acossado em meio às mais impensáveis maquinações para alijá-lo da seleção brasileira, há coisa de pouco mais de vinte anos, o técnico Jorge Lobo Zagallo proferiu a inusitada sentença:  --- "Eles vão ter que me aturar". Mais simples, conhecendo a linguagem do seu povo, Lula, em circunstâncias e por razões diferentes, há pouco tempo não ficou atrás:  ---  "A jararaca está viva".

E como está! 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  


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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Adeus a Frank Wagner

Iguatu perdeu, nessa quinta-feira 15, mais um de seus filhos ilustres. Perdemos nós, os que o conhecíamos de perto, um grande amigo  ---  e um exemplo de pessoa humana. Estou falando de Frank Wagner Alves de Carvalho, professor e intelectual de cepa, estudioso metódico, intérprete convincente do texto bíblico e militante irredutível, ao lado dos pais, Nildo Alves e Marlene Carvalho, dos projetos da Igreja Católica, que Wagner, com a sensibilidade de um cristão consciente, levava a impensáveis rincões, espalhando com os outros muito da sua fé inabalável e da sua capacidade enorme de separar o joio do trigo.

Wagner, digo isso porque o conheci a fundo, era uma desses homens, cada vez mais raros, que ainda acreditam na força do amor e da generosidade como esperança de um mundo melhor. De um mundo em que o amor, insisto, seja o combustível a mover os homens e a aproximá-los, com a pureza e a vontade desinteressada dos meninos.

Ontem, por erro de informação, cheguei ao Ternura muito antes que o seu próprio corpo. E fiquei ali, sentado a uma poltrona, repassando na tela da memória cenas dos muitos filmes em que atuamos juntos. Em tudo, em cada uma dessas cenas, havia sempre a personagem sorridente, brincalhona, dotada de um refinado senso de humanidade  ---  disso que é essencial no que costumamos definir por humanidade.

Acho que me caiu, por espontânea, a palavra certa para desenhar o perfil desse amigo e companheiro de tantas e tantas lutas. Algumas, é verdade, inglórias na sua aparência, a exemplo de quando foi derrotado na consulta eleitoral para diretor-geral da então Escola Agrotécnica Federal de Iguatu.

Até nessas horas, quando costumam faltar aos homens a serenidade, o equilíbrio, a sensatez e, sobretudo, a humildade para aceitar os insucessos, Wagner dava-nos, a todos, lição de maturidade e sabedoria. Talvez por isso tenha sido muitas vezes mal compreendido. Dou um exemplo: passados poucos dias desde o pleito, quando os ânimos das adversidades ainda animavam as conversas nos corredores da Escola, e o clima não havia retomado a temperatura da rotina num espaço acadêmico, demos com Wagner lidando sem rancor com seus desafetos, alguns dos quais lhe haviam devotado palavras tão duras e tão inapropriadas. Ficamos, à época, sem entender isso. Não dávamos com o que é fundamental na vida, e que, quem haverá de saber, seja mesmo este o segredo (e o caminho) que nos levará um dia à verdadeira experiência da irmandade entre os homens: não guardar sentimentos ruins para com os outros, e entender, como nas palavras do profeta Isaías, que "o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora."

Pois bem, sentado ali a uma poltrona, vinha eu lhes dizendo, passa ao lado da "minha solidão" naquele instante, conduzido pela força de dois homens, um caixão fúnebre, e, dentro dele, o corpo sem vida de Frank Wagner. Fiquei, claro, muito abalado com essa que seria a última cena em que atuávamos juntos. Como dói a experiência de perder um amigo!

 Mas foi a ele, confesso, pelo que é imortal nos homens de fé, que recorri, pedindo-lhe a compreensão devida para o que existe de indecifrável nos mistérios da vida. Wagner tinha 49 anos, era um "menino" bom, e tinha tanto para construir ainda em favor de um mundo mais justo e mais humano...

O silêncio tomou conta do espaço, enquanto pude ver, através da vidraça, duas folhas a cair, serenamente, do alto de uma árvore.  

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Eleições 2018: a previsibilidade se faz perceber

Há quatro meses preso em Curitiba (sob acusações que não convencem), Lula continua a animar os debates em torno da sucessão presidencial. Tudo, tudo, por uma razão muito simples: Impedido de ser candidato, objetivo indisfarçável de uma Justiça comprometida com o que existe de mais abominável em termos morais e ideológicos, mesmo assim todos os fatos políticos apontam para uma disputa entre o candidato por ele indicado e Alckmin, no segundo turno. Sem perder de vista que é precipitado emitir opinião a esta altura do campeonato, pelo que corro o risco de ser criticado depois, arrisco expor aqui a minha percepção de como andam as coisas no cenário eleitoral de 2018.

Começo pelo candidato Ciro Gomes, que, mais uma vez, parece desconstruir a sua imagem em razão de não saber silenciar seu "sturm und drang" (paixão e ímpeto), para me valer de uma expressão muito usada entre os estudiosos de literatura com que se define uma poesia selvagem, ferina, espontânea, incontida, surgida na Alemanha entre 1760 e 1780. Ou seja, reunindo excelentes condições intelectuais, uma visão de mundo avançada, entre outras qualidades positivas inegáveis, o candidato do PDT, reeditando seu comportamento em campanhas passadas, vem se revelando incapaz de conter seu temperamento explosivo, de conviver com o contraditório, de administrar divergências, de exercitar a bela experiência da alteridade. O resultado, quando se age assim, nunca é outro: perde-se apoio, cai-se vertiginosamente nas pesquisas e inviabiliza-se, da noite para o dia, qualquer alternativa de ação em termos eleitorais. É, cada vez mais, improvável a sua chance de ir para o segundo turno.

Como prova de que nem tudo está perdido, felizmente, o pior dos nomes com chances iniciais de vencer a eleição, Jair Bolsonaro, vai dando a ver, mesmo para os mais empolgados de primeira hora, inimigos figadais de Lula e do PT, que é mesmo um mito (no mau sentido!): uma mentira ardilosa, um engodo, um embuste, uma cilada capaz de levar o país ao pior desastre que se pode imaginar em termos políticos. Na medida em que se aproxima o dia da eleição, é ter olhos para ver, o candidato da extrema-direita como que se liquidifica, sob o peso de sua desfaçatez e da ausência de propostas minimamente racionais para um país à beira do abismo. Homofóbico, racista, reacionário, propenso à violência de toda ordem, entusiasta da tortura, Bolsonaro dificilmente irá para o segundo turno, prova, insisto, de que nem tudo está perdido. Em que pese, registre-se, ter se mostrado mais sereno no primeiro debate entre presidenciáveis.

Neste cenário, pois, como dito acima, é que tudo está levando a crer que, em 2018, de novo a disputa se dará entre os candidatos do PT e do PSDB, afastando-se, claro, a hipótese remota de que Marina Silva revele-se portadora de uma capacidade política incomum, contrária a qualquer reflexão teórica que tome por base a sua história nas últimas eleições. 

Neste quadro, inicialmente confuso e improvável, nem mesmo começou a campanha e as coisas parecem ir tomando um rumo menos imprevisível. Com os minutos de que dispõe na tevê, nas regras questionáveis da proporcionalidade partidária adotadas pelo TSE, e vantagem a ser considerada como decisiva para uma candidatura em primeiro turno, Alckmin deve ir para a disputa final.

Assim, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, se confirmada a sua indicação por Lula, este, líder absoluto das pesquisas e despudoradamente afastado do processo pela elite empresarial brasileira e seus asseclas de plantão, poderá ser mesmo o nome de esquerda com maior chance de vitória no segundo turno.

Desconhecido, ainda, notadamente entre os eleitores do Nordeste, principal reduto do lulismo e do PT, Fernando Haddad reúne excelentes condições de absorver percentual expressivo dos votos de Luiz Inácio Lula da Silva, firmando-se como uma liderança de rara densidade à esquerda do espectro político brasileiro. Jovem, muito equilibrado e intelectualmente preparado, trata-se de um quadro como há muito não se via entre os candidatos competitivos. Ao que se soma, diga-se em tempo, a presença inspiradora de Manuela D'Ávila como vice na chapa do Partido dos Trabalhadores.

 

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

No andar da carruagem


Mais de três meses após sua prisão (sem provas!), Lula continua a animar os debates em torno da sucessão presidencial. Tudo, tudo, por uma razão muito simples: Impedido de ser candidato, objetivo indisfarçável de uma Justiça comprometida com o que existe de mais abominável em termos morais e ideológicos, mesmo assim todos os fatos políticos apontam para uma disputa entre o candidato por ele indicado e Alckmin, no segundo turno. Sem perder de vista que é precipitado emitir opinião a esta altura do campeonato, pelo que corro o risco de ser criticado depois, arrisco expor aqui a minha percepção de como anda a carruagem no cenário eleitoral de 2018.

Começo pelo candidato Ciro Gomes, que, mais uma vez, parece desconstruir a sua imagem em razão de não saber silenciar seu "sturm und drang" (paixão e ímpeto), para me valer de uma expressão muito usada entre os estudiosos de literatura com que se define uma poesia selvagem, ferina, espontânea, incontida, surgida na Alemanha entre 1760 e 1780. Ou seja, reunindo excelentes condições intelectuais, uma visão de mundo avançada, entre outras qualidades positivas inegáveis, o candidato do PDT, reeditando seu comportamento em campanhas passadas, vem se revelando incapaz de conter seu temperamento explosivo, de conviver com o contraditório, de administrar divergências, de exercitar a bela experiência da alteridade. O resultado, quando se age assim, nunca é outro: perde-se apoio, cai-se vertiginosamente nas pesquisas e inviabiliza-se, da noite para o dia, qualquer alternativa de ação em termos eleitorais. É improvável que vá para o segundo turno.

Como prova de que nem tudo está perdido, felizmente, o pior dos nomes com chances iniciais de vencer a eleição, Jair Bolsonaro, vai dando a ver, mesmo para os mais empolgados de primeira hora, inimigos figadais de Lula e do PT, que é mesmo um mito (no mau sentido!): uma mentira ardilosa, um engodo, um embuste, uma cilada capaz de levar o país ao pior desastre que se pode imaginar em termos políticos. Na medida em que se aproxima o dia da eleição, é ter olhos para ver, o candidato da extrema-direita como que se liquidifica, sob o peso de sua desfaçatez e da ausência de propostas minimamente racionais para um país à beira do abismo. Homofóbico, racista, reacionário, propenso à violência de toda ordem, entusiasta da tortura, Bolsonaro dificilmente irá para o segundo turno, prova, insisto, de que nem tudo está perdido.

Nesse cenário, pois, como dito acima, é que tudo está levando a crer que, em 2018, de novo a disputa se dará entre os candidatos do PT e do PSDB, afastando-se, claro, a hipótese remota de que Marina Silva revele-se portadora de uma capacidade política incomum, contrária a qualquer reflexão teórica que tome por base a sua história nas últimas eleições. 

Neste quadro, inicialmente confuso e improvável, nem mesmo começou a campanha e as coisas parecem ir tomando um rumo menos imprevisível. Com os minutos de que dispõe na tevê, nas regras questionáveis da proporcionalidade representativa adotadas pelo TSE, e vantagem a ser considerada como decisiva para uma candidatura em primeiro turno, Alckmin deve ir para a disputa final.

Assim, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, se confirmada a sua indicação por Lula, líder absoluto das pesquisas, despudoradamente afastado do processo pela elite empresarial brasileira e seus asseclas de plantão, poderá ser mesmo o nome com maior chance de vitória no segundo turno. É ver para crer. Tenho dito.