Quando escrevi aqui sobre livro de Gay Talese, a propósito de ter sido ele um dos grandes nomes do "novo jornalismo" ou "jornalismo literário", um leitor fez por WhatsApp um comentário a um só tempo lisonjeiro e bastante pertinente. Teceu considerações elogiosas ao texto da coluna, revelou-se entusiasta do gênero e lamentou não tivesse eu feito qualquer alusão a brasileiros que fizeram história produzindo reportagens rigorosamente representativas do que preferiu chamar de "new jornalism", numa contradição que nos rendeu boas gargalhadas. Volto ao tema hoje, minha maneira de corrigir a falha.
Bairrismo à parte, não se pode negar o que é consensual sobre a matéria: o chamado "jornalismo literário", como dizia preferir às outras denominações, teve como berço os Estados Unidos, por volta dos anos 60, alcançando maior prestígio ao longo da década de 1970 (o termo ganhou status oficial em 1973), quando um novo estilo de escrever reportagens ganhou as redações de jornais de todo o mundo, constituindo-se num tipo de movimento que ainda hoje é cultuado por grandes nomes do jornalismo mundial.
Tendo por objetivo romper com os padrões tradicionais da produção textual no âmbito da imprensa, nomeadamente nas redações do jornal impresso, quase sempre impostos pelos editores (imparcialidade/objetividade), o "new jornalism" surgiu como uma grande novidade, permitindo ao jornalista discorrer sobre o fato com maior criatividade, maior poder de sedução sobre o leitor. Em suma: tornando o texto noticioso ou a reportagem mais interessante, mais envolvente e mais elegante estilisticamente falando.
Notabilizaram-se no gênero, à época, escritores admiráveis, a exemplo de Truman Capote ("A sangue frio"), Norman Mailer ("A canção do carrasco"), Lillian Ross ("Sempre repórter"), Hunter S. Thompson ("Hell's Angels"), Tom Wolfe ("Radical, chique e o novo jornalismo"), Janet Malcom ("O jornalista e o assassino") e o já referido Gay Talese ("O Reino e o poder"), objeto da coluna anterior.
Cheguemos ao Brasil, antes que o querido leitor me tome por faltoso reincidente. Pois bem, o chamado "jornalismo literário" foi amplamente cultivado no país por jornalistas extraordinários, gente da estatura de Samuel Wainer, Antonio Callado, Alberto Dines, Carlos Lacerda, Rubem Braga, Otto Lara Resende, Armando Nogueira e, soberbo, no bom sentido da adjetivação, Joel Silveira, de quem li não faz muito tempo o delicioso "Na fogueira" (Editora Mauad, 1996), livro de memórias garimpado em sebo do Rio de Janeiro.
Nordestino de Sergipe, ou mais precisamente de Lagarto, onde nasceu em 23 de setembro de 1918, Joel Silveira é nome incontornável do jornalismo literário brasileiro, e algumas de suas memoráveis reportagens resultaram em livros mais que recomendados, com destaque para o inclassificável "A milésima segunda noite da Avenida Paulista" (Companhia das Letras, 2003), "A feijoada que derrubou o governo" (Companhia das Letras, 2004) e "Viagem com o presidente eleito" (Mauad, 2009).
Homem de esquerda (dizia-se socialista antes de tudo), além de craque do jornalismo literário propriamente dito, Joel Silveira foi também ficcionista, nunca, porém, tendo alcançado como contista o mesmo nível de excelência. Com o título de "Os melhores contos de Joel Silveira" (Global, 1999), pode-se encontrar nas livrarias virtuais exemplares em boas condições de uso. Recomendo.
Morto em agosto de 2007, Joel Silveira destacou-se ainda como um "frasista" de escol, trilhando na mesma linha estilística e com a mesma sagacidade ferina, por exemplo, os caminhos do insuperável Nelson Rodrigues.
Irreverente, incisivo, sarcástico, pertinaz, desconcertante, e tantos outros adjetivos de conotação dúbia que lhe soariam adequados*, Joel Silveira foi antes de tudo um genial repórter brasileiro, desses que fazem uma falta imensurável ao jornalismo tortuoso, inconfessável e medroso dos dias atuais.
*Ganhou o apelido de "Víbora" por Assis Chateaubriand, e, contratado pelo dono dos Diários Associados, cobriu a Segunda Guerra Mundial, de cujas reportagens nasceu o livro "O inverno da Guerra, 2005.
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