segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Gostinho do velho francês

Construí minhas bases estético-cinematográficas a partir da França, nomeadamente dos filmes da Nouvelle Vague que até agora são mesmo uma de minhas maiores paixões. Nada a ver com o filme sobre o qual teço na coluna de hoje rápidas considerações, Os Olhos Amarelos dos Crocodilos, de Cécile Telerman, um dos três que consegui ver no último Festival Varilux (os outros foram Samba e Que Mal Fiz a Deus?, ambos superiores ao filme de Telerman). 
 
Longe disso, que a realizadora francesa prende-se estruturalmente à narrativa clássica americana, de cujas proposições nunca consegue se desvencilhar por completo, mesmo quando a câmera mostra-se mais solta e a escolha do enquadre, aqui e além, desobedece à gramática do estilo hollywoodiano mais tradicional.
 
Então, por que a referência a um cinema reconhecidamente autoral quanto o francês dos anos 60 para falar desse banal Os Olhos Amarelos do Crocodilo? Justifico-me: mesmo quando se mostra obediente aos procedimentos clássicos, a exemplo do terceiro filme de Telerman, a cinematografia francesa consegue manter-se uma oitava acima das convenções americanas. Neste caso, o realce fica por conta do enredo, bem na linha do que têm feito os franceses nos últimos anos, como veremos.
 
A trama, plasmada timidamente no romance homônimo de Katherine Pancol, gira em torno das contradições comportamentais que envolvem duas irmãs, Josephine (Julie Depardieu, filha de Gerard), símbolo da mulher divorciada bem comportada e discreta que recomeça a vida ao lado de um homem mais jovem, e Iris (Emmanuele Béart), mãe pouco dedicada, interesseira e inescrupulosa, bem ao jeito das tantas que excedem nos meios sociais dominantes.
 
É com base no abismo das diferenças que separam as duas irmãs, que Telerman sustenta-se ao longo de todo o filme, contando em seu favor o fato de conseguir prender a atenção do espectador e proporcionar-lhe uma experiência em alguma medida catártica de conflitos tão recorrentes no mundo atual.
 
O filme ganha maior densidade dramática quando Iris, na pretensão de pousar de escritora, pactua com Josephine a escritura de uma livro ambientado na Idade Média. É aí que deparamos com o leitmotiv que constituirá a linha de força da realização de Céline Telerman, um retrato vivo do drama feminino hodierno com seus conflitos e sonhos não raro frustrados de felicidade na profissão e no amor. Mas o que está por trás desse sonho? Com a palavra as mulheres.
 
Nada que reedite Godard ou Truffaut, nem mesmo o Lelouche da fase imatura, ou mesmo Chabrol, tampouco Rohmer. Mas se pode perceber por trás da câmera uma diretora sensível e elegante, cujo pecado maior reside na lentidão com que liberta os primeiros fios de sua teia analítica sobre dramas que os "turcos" parisienses souberam à perfeição explorar.
 
Impossível desmerecer, contudo, a direção de elenco, com destaque para as interpretações seguras de Depardieu e Béart, esta em curva ascendente como atriz e como mulher de beleza desconcertante na maior parte de suas aparições no filme. Por seus defeitos perfeitamente aceitáveis para o que parece ser mesmo uma questão de escolha de Cécile Telerman, mais que pela presença de qualidades inegáveis em alguns momentos do filme, Os Olhos Amarelos do Crocodilo merece ser visto. Quando menos, pelo gostinho do velho drama francês.
              
           

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Triste Brasil

Nesta quinta-feira 13, faz um ano do desastre que matou o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. Até agora, no entanto, não se sabe de quem era o avião em que viajava. Aos que têm criticado as posições políticas deste colunista, a propósito, levanto uma reflexão: onde está a Justiça brasileira? O que explica que a reconhecida capacidade de investigação da Polícia Federal tenha sido incapaz de identificar quem era o proprietário do jatinho que vitimou o então candidato a presidente? Vou além: fosse um político ligado ao PT o fato estaria ou não na primeira página dos nossos melhores jornais?
 
Enquanto isso, Natália Monte, a juíza a quem caberia determinar a indenização dos prejuízos causados pelo desastre limita-se à afirmação de que "a obscuridade" do proprietário do avião "torna inviável a reparação". Não há negar: no Brasil de hoje existem dois pesos e duas medidas, duas formas de encarar a dura realidade política e institucional. Essa aeronave tem registro na Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC - e deixava a descoberto na sua fuselagem um prefixo, pousou e decolou em aeroportos de todo o País, levou Eduardo Campos aonde lhe convinha durante a campanha para a Presidência da República. Então? Por que o silêncio?
 
Como afirmou um conhecido jornalista, "O nível de competência que a Polícia Federal alcançou não admite a hipótese de dificuldade, por menor que fosse, para identificar a propriedade do avião". O caso, bem na esteira do que ocorreu ao aeroporto de Aécio Neves em Minas, será dentro em pouco engavetado, sob a chancela indecente de uma Justiça que enxerga aquilo que lhe interessa, da forma que lhe convém, num jogo de esconde-esconde com que tenta encobrir os muitos e muitos escândalos envolvendo políticos do PSDB, a exemplo do metrô de São Paulo, a exemplo do mensalão tucano, a exemplo do helicóptero abarrotado de cocaína no interior de Minas Gerais, da compra de votos para a reeleição de FHC e por aí vai.
 
Dor e sofrimento de familiares e amigos de Eduardo Campos à parte, decorrido um ano do desastre que o ceifou, é oportuno lembrar que o nome do ex-governador está diretamente ligado a fatos investigados pela operação Lava Jato que atingem algo em torno dos R$ 20 milhões. Nenhum desses, todavia, minimamente esclarecido até aqui, numa coincidência irônica de que no Brasil se identificam os "jatos" ao sabor das conveniências partidárias e dos interesses de uma imprensa tendenciosa e desprovida de sentido moral.

Enquanto isso, sob a bandeira do PSDB, no domingo 16, prevista para ocorrer nas principais cidades do País, aquela que deverá ser, em termos numéricos, a maior manifestação em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Contará, somente em São Paulo, com cerca de dez carros de som. Dentre esses, pelos menos três serão utilizados em defesa explícita de uma intervenção militar.

 

A atmosfera, como se vê, é de golpe. 

 

Há uma grande distância no tempo, o País viveu o mesmo sentimento oriundo de sua elite insatisfeita com os avanços sociais propostos por João Goulart. Tudo muito parecido com o que se vê agora. Faltará, entre outras coisas, a figura conspiradora de Carlos Lacerda, governador do extinto estado da Guanabara. De sua confortável varanda na divisa do Leblon com Ipanema, entretanto, com o mesmo olhar de abutre sobre a carniça, haverá Aécio Neves. Triste Brasil.