domingo, 31 de julho de 2011

A mensagem de Wagner Tiso

Do leitor e amigo Hilton Holanda vem o documento do YouTube com o vídeo da cerimônia de encerramento dos Jogos Mundiais Militares, realizados na cidade do Rio de Janeiro. Mais precisamente, aliás, a apoteótica apresentação do hino nacional brasileiro pelos músicos Wagner Tiso, que assina o arranjo (belíssimo), Antonio Adolfo, Amilton Godoy, Nelson Ayres, João Carlos de Assis Brasil e Artur Moreira Lima. De arrepiar, literalmente!
 
Refeito da emoção, que havia tempos não sentia diante de uma execução do hino nacional, um tanto vulgarizado nos campos de futebol (quase sempre mal cantado ou apresentado em frações), ocorreu-me lembrar os tempos do arbítrio, quando naturalmente associávamos a execução da peça aos maus-tratos impostos, pelos militares, a estudantes, intelectuais e artistas brasileiros durante a longa noite. Era o tempo do "ame-o ou deixe-o" e do "pra frente Brasil" impulsionado pela tortura e pela execução de tantos filhos da terra amada. O que não pode a democracia, que milagre não é capaz de operar a liberdade?
 
Pois bem. A transformação teve início com a campanha pela diretas, os inesquecíveis comícios Brasil afora, do Rio e de São Paulo, particularmente, quando a guerreira Fafá de Belém cantou, em praça pública e em um dos seus discos, pela primeira vez, o nosso hino a partir de uma arranjo 'modernoso' que emocionou o país inteiro e trouxe o sentimento pátrio de volta aos corações brasileiros. O despertar do gigante adormecido.
 
A apresentação desses gênios da música clássica, com direito a inovações ousadas e interpretação originalíssima da composição de Francisco Manuel da Silva, nas circunstâncias de um evento militar, como que repagina não apenas uma combinação sonora do original conhecido. Vai muito além disso: traz em si o grito de protesto contra um estado de coisas que, mesmo num país diferente quanto o Brasil de hoje, de que nos orgulhamos todos, não se deve esquecer. Sem revanchismo, é certo, mas imbuídos da consciência de que o preço dessas conquistas terá sido muito alto. É a mensagem de Wagner Tiso. E a razão por que o 'presente' do amigo Hilton Holanda me emocionou tanto.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Eros e Tanatos

Assim como pode ensejar a curiosidade, ampliando as chances de mercado, um título pode também afastar o público -- ou segmentos mais exigentes dele. É o que aconteceu com Fatal, o filme de Isabel Coixet, com Penélope Cruz e Ben Kingsley. Eu mesmo vinha empurrando com a barriga a oportunidade de vê-lo, embora frequentemente provocado pelo cinéfilo e amigo Sérgio Porto. Que bela surpresa. Essa semana vi-o na tevê e, ato contínuo, fui à Livraria Cultura a fim de adquiri-lo para minha coleção.

O enredo é simples: professor universitário de literatura se envolve com uma aluna trinta anos mais nova. O que poderia ser apenas uma pequena aventura entre um homem experiente e uma jovem babando de admiração pelo talento dele, torna-se uma relação madura e cheia de encanto. O sujeito renova-se, renasce para o sempre prodigioso milagre da paixão, que julgara coisa do passado. Ama-a perdidamente e é sinceramente correspondido, até que, influenciado por um amigo confidente, um poeta interpretado à perfeição por Dennis Hopper, toma a decisão de romper com a relação, temeroso de que viesse a sair machucado dela.

A moça sofre horrores com o fim do namoro, mas, sentindo-se rejeitada, encontra forças para tentar levar a vida sem ele. Dois, três anos depois, quando a história parecia encerrada, Consuella (como se chama) recebe de seu médico a notícia desconcertante: está com um câncer de mama avançado e a mastectomia marcada para poucos dias depois. É aí que decide procurar David Kepesch, o professor e ex-amante, na desesperada busca de encontrar nele o apoio de que necessita para enfrentar a doença e a proximidade da morte. Eros e Tanatos, a eterna luta entre os sentimentos de amor e morte, matéria de que se vale recorrentemente a cineasta Isabel Coixet, de cuja filmografia já vira Minha vida sem mim e A vida secreta das palavras.

É o tempero que estava faltando para o filme ganhar em densidade dramática e, acima de tudo, poética. Os dois se amam outra vez, e a cena em que Consuella pede a David para fotografá-la, nua, antes que lhe retirem a mama, é de uma beleza inesquecível.

No hospital, depois da cirurgia, enquanto duas lágrimas serenamente lhe correm pela face, ela indaga: - "Você ainda vai me querer, agora que não sou mais bonita?" Ele lhe diz: - "Hipólita, a rainha das amazonas, tirou o seio direito para atirar com mais destreza suas setas. E ela era deslumbrante. Você lembra de minha primeira aula?" Eu lembro de tudo, ela responde.