quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O que é o Amor?

Durante happy hour, amigos conversamos sobre cinema e um deles levanta a questão: - "Que cena do cinema lhes é inesquecível?" Cito uma cena de Cinema Paradiso que me leva às lágrimas. Alguém cita a cena de despedida, no aeroporto, em Casablanca. Um outro, desconcerta-nos ao lembrar o encontro de Dean Stanton e Nastassja Kinski em Paris, Texas. Mas, curiosamente, lembram de Love Story, um filme xaroposo que conquistou a todos nós em tempos remotos. Citam a cena em que Ali McGraw diz para Ryan O'Neal: - "Amar é ter jamais que pedir perdão!" A conversa toma agora um outro rumo. Discute-se o complexo tema do perdão. Na perspectiva do amor, claro, como contextualiza o filme de Arthur Hiller.

Polemista, considero a fala uma compreensão ingênua e bem-comportada do amor, bem condizente com o clássico adolescente dos anos 70. Acho que o amor vai mudando com as mudanças que os tempos nos impõe. O amor que não recebe e não dá o perdão não é amor. É paixão linear, apolínea, demasiado plana para ser considerada amor. O amor é ciclotímico, esférico, dionisíaco. O amor é o irmão da loucura, como quis Drummond. Por isso amar, tal como compreendo hoje o amor, é ter sempre que dar e pedir o perdão. Se não há perdão e a necessidade de sua existência, aqui e além, é que outra coisa é, foi, será. Jamais o amor, com seu barroquismo, suas contradições, com a dialética milagrosa que leva à síntese do verdadeiro encontro.

A Filosofia, desde que passou a ser uma forma de interpretação racional da realidade, oferece-nos diferentes conceitos do amor, razão por que atenho-me a pensar o amor numa perspectiva menos idealizada, menos cristã. Para Platão, não é muito lembrar, o amor (ou paixão, se assim preferirmos) era uma enfermidade do coração. O amor Eros, que é o desejo, que leva o amante a cometer equívocos, a desejar a maravilha de uma quase posse do objeto amado: - "Quero tê-la perto, quero protegê-la, quero cuidá-la." Daí advém o ciúme, que muitas vezes, na ânsia da proteção, resulta no conflito. Eis a necessidade do perdão.

A conversa enche-se de entusiasmo, acalora-se, afloram as 'convicções' mais enraizadas da subjetividade de cada um. E num exercício um tanto excêntrico do filosofar, deslizamos para a definição de um dos mais desafiadores temas, que é o perdão. Um amigo defende que perdoar é esquecer, é apagar aquilo que de alguma forma nos feriu ou feriu ao outro. Novamente discordo. Agarro-me à Hannah Arendt: - "O perdão não é sinônimo de esquecimento. O perdão é a lembrança." Não merece perdão aquilo de que somos capazes de esquecer. Terá sido 'beicinho', jogo passional, um tipo de charme ardiloso. O perdão é necessário para aquilo que, permanecendo vivo na memória, cicatriza pela força do amor, pelo desejo da reconciliação.

E tentamos, esses contendores do bom combate, dar espaço às amenidades, mais propícias, talvez, para o fim da boa hora, quando os telefonemas das mulheres formalizam a irrecusável convocação. Não sem antes, quando chega a 'saideira', lembrar a antológica fala de Liv Ulmann, em Cenas de um Casamento: - "... ninguém nunca me disse o que é o amor. E não tenho certeza se precisamos saber. Mas se quiser uma descrição detalhada, vá à Bíblia. Lá Paulo descreve o amor. Se Paulo estiver certo sobre o que é o amor, acho que ninguém o vivencia. Mas em discursos de casamento e outras situações sociais, funciona muito bem. Acho que basta ser gentil àqueles com quem vivemos. Afeto também é bom. Humor, amizade, tolerância. Ter expectativas sensatas. Tendo isso, o amor não é necessário." Antes de nos despedirmos, reconsidero a minha cena inesquecível. Está em Bergman.



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2 comentários:

  1. Olá Professor o/
    Sou a Andressa, sua aluno IFCE 1ºsemestre de Artes Visuais '=D
    Gostei bastande da crônica, bem interessante, principalmente a descrição de Platão sobre o que seria o amor.
    Posso dizer que não concordo com várias coisas, principalmente sobre amor não é ter que pedir perdão.
    Uma descrição de amor, para mim, é você esperar apenas uma coisa da outra pessoa; que ela seja feliz.

    Então é isso.
    Até mais professor, bom Fim de Semana o/

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  2. Obrigado pela visita e pelo comentário! Beijo!

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