quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Encontro, desencontros

Intervalo de aula, aluna propõe: - "Vamos brincar de responder perguntas 'difíceis'? Ficamos ali, por segundos, num silêncio que parecia a eternidade. A proposta faz-me recordar os tempos de adolescência, quando, quase sempre as meninas, propunham aos rapazes responder perguntas assim "difíceis". Era um caderninho de arame, e, se não me falta a memória, chamavam 'Disparate', palavra, admitamos, adequada para o brinquedo adolescente, tão propício aos corações sonhadores de uma época que já vai distante. No fundo, era uma forma pura de conhecer o outro para além das aparências. Que belo despertar dos desejos.

Fiquei imaginando que tipo de pergunta poderia vir de uma pessoa tão mais jovem, e o que haveria de interessante na opinião de um homem mais velho, em circunstâncias tão informais, como na brincadeira proposta. E veio a tal pergunta, a um tempo despropositada e curiosa: - "Você acredita que pessoas nasçam umas para outras?" Fiz-me de desentendido e quis esclarecimentos. Claro que sabia o que queria dizer: o Amor faz o encontro das pessoas certas? Ocorreu-me, bem ao estilo de quem lida com a literatura e a arte, mencionar uma numerosa linhagem de amantes do cânone ocidental, Tristão e Isolda, Dante e Beatriz, Paulo e Virgínia, Ulisses e Penélope, não fosse o tempo escasso e o tema pesado para a 'entrevistadora'. Preferi falar de Romeu e Julieta, certificando-me de que a aluna tivesse lido a peça de Shakespeare, cuja história poderia exprimir essa dúvida, essa recorrente realidade de encontro e desencontro, de aproximação e afastamento, de conquista e perda.

"Tinha o meu coração amado até este momento? Não, meus olhos! Pois até esta noite eu não tinha visto a verdadeira beleza." Citei a frase de Romeu, que leva Julieta a descobrir que tinha diante de si o homem para quem nascera, para ser objeto do seu verdadeiro amor. Estamos, pois, diante de um amor recíproco, de uma descoberta de cumplicidade eterna, que só a morte seria capaz de separar. Os dois simbolizam à perfeição os amantes escolhidos pelo destino, pois tudo existe, no plano da realidade, para impedir seu encontro, na retomada de um mito emblematizado desde a Antiguidade, como Príamo e Tisbe nas 'Metamorfoses' de Ovídio.

Valendo-me, assim, da grande literatura (o que despertou um apaixonado interesse da ouvinte), defendi que o destino traça os caminhos da felicidade e infelicidade na vida dos amantes, das aproximações e afastamentos, dos encontros e desencontros. A literatura é pródiga em demonstrar isso, em construir mitos do amor absoluto, insuperável, por maiores que sejam as distâncias, as diferenças, as adversidades de toda ordem. Se a história desses amantes tem um final feliz, pouco importa; se a intriga da peça lhes impõe as mais diferentes barreiras, que vão da rivalidade entre suas famílias ao crime que leva Romeu à condenação, o desfecho da obra mostra que nada haveria de separar os amantes. A morte dos dois consolida a inelutabilidade do sentimento que os une. A paixão se consolida de forma trágica mas incandescente, infeliz mas imbatível. Como nos lembra um especialista em Shakespeare, "o amor jamais parece mais exemplar do que nas ocasiões em que o destino implacável lhe mostra seu poder." Paula mora em Recife, Roberto em Milão; Renata achava que Pedro nada tinha de interessante... Um dia haverão de encontrar-se, no banco do coletivo, na fila do cinema, numa manhã de praia... Sim, afirmei, há pessoas que nascem umas para outras, e nada é capaz de separar. Retifico o que afirmara acima: nem mesmo a morte.



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