segunda-feira, 26 de julho de 2010

Luto e vergonha

Bruce Christian de Sousa Oliveira, 14 anos, viaja na 'garupa' de uma moto, pilotada pelo pai, Francisco das Chagas de Oliveira Sousa, 37, técnico em condicionadores de ar, depois de prestarem serviço em domicílio. É domingo, mas Christian, em vez de divertir-se numa praia ou num campo de futebol, com amigos, acompanha o pai durante o trabalho. Por suspeitar que se trata de bandidos, Yuri Silveira, policial do Ronda do Quarteirão, saca da arma, aponta e, com precisão e frieza, dispara contra a cabeça do adolescente, que cai morto em meio às ferramentas de trabalho que conduzia nas mãos.

Mas, atenção. Não se trata de uma story line, como no cinema se costuma dizer da síntese de um filme. A cena acima é real e aconteceu ontem em Fortaleza: Abre-se a sequência com um "plano fechado" do pai, dilacerado, abraçado ao filho morto. Depois se recua a câmara, a fim de revelar o seu conteúdo num plano geral, a exemplo da foto com que deparei esta manhã na capa de O Povo.

E me vem à mente, inclemente, a poesia de Chico: "Oh, pedaço de mim. /Oh, metade afastada de mim. /Leva o teu olhar. /Que a saudade é o pior tormento. /É pior do que o esquecimento. /É pior do que se entrevar. /Oh, metade arrancada de mim. /Leva o vulto teu. /Que a saudade é o revés de um parto./ A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu."

Numa manhã de domingo, sob o sol irradiante de um mês de férias, a cidade em festa, a brutalidade e o despreparo de um homem a quem cabia parte da responsabilidade de garantir a tranquilidade e segurança da população, dão-nos o metro com que se deve medir a realidade em que vive o fortalezense hoje.

À dor da família de Bruce, somam-se a revolta e a indignação de toda uma sociedade. Vive-se algo como um drama de Ionesco, um absurdo kafkiano, um pesadelo que nos deixa a todos entre estarrecidos e raivosos.

Yuri Silveira, logo depois do tiro que matou Bruce, apresentou-se ao 2º DP, alegando estarem os policiais da viatura no encalço de uma Hilux prata com quatro bandidos. Por que, então, considerar suspeitos pai e filho, que estavam numa moto? É aceitável que se aborde um cidadão, ainda que sob suspeita, apontando-lhe a arma para a cabeça? Ao parar num sinal, como foi o caso, mais adequado não seria interceptar a moto posicionando a viatura à sua frente? Se se tratava de um homem suspeito, por que o pai de Bruce sequer foi ouvido no local?

Este o Estado que se vangloria de possuir o mais avançado programa de segurança pública do Brasil, com seus carrões blindados, bancos de couro, ar condicionado, moderno sistema de comunicação e homens, a concluir pelo desastrado procedimento, inaceitavelmente despreparados.

O tiro na nuca que matou Bruce no viço dos seus 14 anos, espero, haverá de repercutir na consciência das autoridades cearenses como o disparo de um alerta contra o descaso e a impunidade reinantes. Ao luto, soma-se o sentimento de vergonha de um povo.

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