terça-feira, 23 de novembro de 2010

Crônica para uma amiga

Amiga me falava outro dia, tomada de susto: - "Hoje, comprei cervejas para o meu filho comemorar com amigos. Ele está fazendo 17 anos, mas ainda lembro da cor da mamadeira, meu Deus!" E discorria sobre a atonia que lhe invade a alma sempre que pensa sobre o futuro, o rumo incerto que tomarão os seus filhos, do que vai ser a sua vida sem eles por perto, da sensação de perda incontornável que advirá disso etc. Estava aturdida a minha amiga, como querendo ouvir de mim o que não soube como lhe dizer naquele instante. Fiquei ali, entre tocado e atônito, sem dizer palavra. A vida de todos nós.

Acho mesmo que esse é um momento por que todo homem e toda mulher tem de passar um dia. O momento em que se veem os filhos crescer e se aproximar a hora de espreitá-los tomar seu rumo, um tanto quanto independentes de nós, das nossas vontades e - não raro! -, na contramão do que gostaríamos. É a hora em que cai a ficha e percebemos que os filhos, lá nos recônditos mais doídos das verdades, não são nossos, e que os criamos para a vida, esta soberana rainha do destino e do desconhecido. É a hora em que começamos a olhar para trás e ver que toda a caminhada, em muitos aspectos, foi feita de sonhos e de fantasias. E que há uma realidade aguardando aquelas "coisinhas" que mais amamos, e que, equivocados, pensávamos poder tê-las conosco pelo infinito dos tempos.

Com todos nós, aqui ou além, cedo ou tarde, acontecerá o mesmo. O momento em que somos chamados a usar as mais duras expressões: na realidade, de fato, em verdade e coisas que tais. A dura realidade da vida. O momento em que percebemos, estupefatos, que o tempo passa, o tempo não para, como nos falou o poeta Cazuza. E dói compreender o quanto de vida deixamos para depois, os sonhos que vamos empurrando para amanhã. E, de repente, vemos que o amanhã foi ontem, anteontem, é agora um passado distante. E tantos desses sonhos se desmancharam no caminho, como os castelos de areia que se constroem nas praias...

Minha amiga é uma grande mulher. Mãe exemplarmente amorosa, deu aos filhos uma educação que foge ao comum do que se conhece nos dias atuais. Quando esposa, posto que enviuvou há coisa de uns cinco, seis anos, foi de uma dedicação e de um desvelo incomuns. É filha carinhosíssima, uma irmã como poucas. Mas vive aquele momento em que olhamos para trás e achamos que poderíamos ter feito mais e melhor. E o futuro, na perspectiva do que os nossos olhos podem ver, é um tanto triste e solitário.

Não lembra, a minha amiga, que a vida começa a cada manhã. Na crise de um instante, seus olhos são pequenos para ver o tanto de amor que ainda tem para dar... E o quanto, o quanto tem sido amada. E haverá de ser!

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