Esta semana revi, durante uma aula de Estética, na Faculdade, o belo filme de Julie Taymor sobre Frida Kahlo. Assisti à película, quando menos, uma seis vezes, e cada vez mais a obra me impressiona. A produção é 2002, numa parceria EUA/Canadá, e tem no elenco Salma Hayek, numa interpretação soberba de Frida, contracenando com Alfred Molina no papel de Diego Rivera. O filme narra a trajetória punjante da pintora mexicana, da adolescência à conturbada (e tocante) vida ao lado do seu mentor e marido Diego Rivera, passando pela rápida convivência com Leon Trotsky - com quem Frida manteria um rápido affair -, até sua morte, ocorrida em 1954.
Sabe-se que Frida viveu uma vida de dor e sofrimento. Teve poliomielite aos 6 anos e, aos 18, sofreu um pavoroso acidente de que saiu com fraturas por todo o corpo. Uma barra de ferro do ônibus entrou-lhe pelo pescoço e saiu pela vagina. Os ossos dos pés foram esmagados, a pélvis destroçada, inúmeras costelas quebradas e o ombro afundado. Frida viveria meses seguidos completamente imóvel, guardada por um colete de gesso que lhe cobria o corpo dos pés ao pescoço. Sobreviveu a tudo.
O filme de Julie Taymor, no entanto, embora mostre a cena do acidente e o comovente padecimento de Frida, explora com maior e justificada razão a vida da pintora, sua impressionante capacidade de extrair da dor e do sofrimento desumanos a força sublimatória que a levou a realizar uma obra absolutamente chocante, de uma beleza e uma originalidade inconfundíveis. Além de autobiográfica, claro. Marcas a que Julie Taymor se propôs, e conseguiu irrepreensivelmente, dar maior realce, sem contudo deixar de expressar a sua emoção estética pessoal, o que se vê nos recursos de linguagem com que compôs cada cena, cada sequência narrativa, cada fotografia do seu belíssimo filme. O colorido da película, aqui e além, lembra telas de Vermeer. Ou da própria Frida, para ser mais preciso.
Mas Frida, o filme, vai muito além da sua beleza plástica irretocável. Do ponto de vista conteudístico, por exemplo, levanta uma curiosa reflexão em torno da correlação de forças homem-mulher e a dicotomia entre o que sejam lealdade e fidelidade. Mulherengo incorrigível, Diego pergunta à futura esposa o que lhe parece mais importante, se a fidelidade ou a lealdade, ao que Frida responde: - "A lealdade." O filme passa, então, a discutir uma coisa e outra. À luz dos valores falocêntricos de Diego, sexo e amor são coisas distintas, razão por que se acha no direito de se envolver fisicamente com diversas mulheres, mantendo-se transparente em relação à Frida. Sendo leal, portanto. Ela, por sua vez, respeitando o pacto firmado com o marido, mas ultrapassando as fronteiras estabelecidas para a mulher, numa sociedade orientada por valores judaico-cristãos, também se relaciona com homens e mulheres, uma vez que os dois haviam compreendido a diferença entre um conceito e outro. Mas a lealdade é ferida por ambos: Diego transa com a irmã de Frida, sendo, assim, desleal com a mulher. Frida, também, rompe o pacto, ao relacionar-se com o amigo de Rivera. É por isso desleal. O pacto não previra relações tão íntimas, tão próximas dos dois amantes, o que, supostamente, inflige sentimentos mais nobres.
Um filme extraordinário, na perspectiva do que documenta sobre a vida de Frida Kahlo, e como obra de arte independente, nascida da imaginação e da fantasia dessa cineasta talentosa e original. Bem na linha do que professa Mário Vargas Llosa, a verdade artística é uma, a verdade histórica é outra. Por isso o filme ultrapassa os limites da história, mesmo da biografia escrita por Hayden Herrera, em que se baseou Taymor, e conta-nos uma história que a própria história não foi capaz de contar. Um filme imperdível.
Excelente filme, vi várias vezes.
ResponderExcluirExcelente filme, vi várias vezes.
ResponderExcluirExcelente resenha. Filme brilhante.
ResponderExcluir