quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Travessuras da menina má

Amigo, anos depois do rompimento com a ex-mulher, está de volta. Mas diz que "cristal quebrado não tem conserto", pode? Já entra na relação, outra vez, inseguro, e nutre o medo da própria sombra. Ontem, entre um chope e outro, dizia meio vacilante: - "Foram dois anos de separação... Ela teve um namorado, é complicado!" Estava tenso, cheio de pruridos com o fato de que a ex tentara recomeçar sua vida. Um quadro curioso, em pleno século XXI. Como estivéssemos todos, outros amigos e eu, empenhados em ajudar o 'ciumento retrospectivo' (a mulher rompera com o novo namorado bem antes de ceder à proposta de reaproximação), citei ene casos semelhantes que tiveram desfechos os mais felizes. Nada. O moço está pra lá de encucado com a situação. Incrível.

Mudávamos de assunto, Dilma Rousseff aqui, Ronaldo O Fenômeno acolá, volta e meia e um chope a mais, o tema voltava, na boca dele, claro: - "É por que não é com vocês... Saber que dormiu com outro, que fez com ele as mesmas coisas..." Quem haveria de segurar a cargalhada? Muito engraçado. Um dos nossos, acanalhado, como dizia meu pai, ainda arriscou: - "Bobagem. Lavou, 'tá novo de novo!" Por pouco, o happy hour não se transforma em tragédia. Foi aí, como é de praxe, que lancei mão da literatura para restabelecer a harmonia entre os convivas do fim de tarde.

Lembrei, num lampejo a serviço da paz, do novo Nobel de Literatura, o peruano Mário Vargas Llosa. Não é que o romancista escreveu uma obra-prima sobre o assunto? Isso mesmo: Travessuras da menina má, belíssimo! Ricardo, um peruano radicado em Paris, reencontra um ex-amor da adolescência e vê, sob a magia do belo sentimento, que jamais esquecera a mulher. Tentam, mas o destino, trapaçeiro, separa mais uma vez os dois. Começa, assim, uma sequência extravagante de reencontros, em Londres, dos pubs, da cultura hippie dos anos 70; em Tóquio, com suas excentricidades; em Madri, das mudanças dos anos 80. Uma história extraordinária sobre as muitas faces do amor, no estilo inconfundível de narrar que faz de Vargas Llosa um dos dois maiores ficcionistas vivos. O outro, com a morte de Saramago, é García Márquez, óbvio.

E por falar no autor de Cem anos de solidão, uma curiosidade. Ele, Gabriel García Márquez, e Mário Vargas Llosa, que foram grandes amigos, são hoje desafetos figadais. O motivo? Teria o colombiano, numa visita a Llosa "dado em cima" da mulher deste. É conhecido o barraco em que os dois gigantes da narrativa de ficção contemporânea estiveram envolvidos numa cidade da Europa, Paris ou coisa que o valha. Mais novo e mais inteiro, o escritor peruano e atual Nobel deixou Márquez bastante avariado. O mundo das celebridades têm essas coisas também.

Voltemos às Travessuras da menina má. De uma forma particularmente gostosa, Llosa narra essa sedutora história de encontros e desencontros em lugares e circunstâncias as mais diversas. Com estilo e elegância aqui, discretamente cômico ou trágico ali, Mário Vargas Llosa joga com o banal e o inusitado para discutir o amor em toda a sua complexidade. Um belo livro sobre a paixão, o acaso, o perdão, a dor e o prazer da relação entre homem e mulher. Um drama muito parecido, guardadas as proporções, com o do meu amigo que acaba de reatar com a ex-mulher. Que ele não tenha reparado na dubiedade do título, Travessuras da menina má. Tenho dito.

2 comentários:

  1. Nada como Uma menina má para causar uma reflexão! "meninas são tão mulheres", mas um poeta de "alma nua" entende que o tempo passa... afinal o poema não tem hora pra chegar... "deixa eu perder a hora, pra ter tempo de encontrar a rima", quem sabe revisitar o jardim seja um atalho pro seu amigo.

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  2. Belo comentário. E obrigado pela visita ao blog!

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