segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A singela poesia de Toquinho

Aconteceu em Belo Horizonte. Era outubro de 1976 e Toquinho, terminado o show, é surpreendido no camarim do Teatro Francisco Nunes por duas irmãs, Águeda e Mônica. Ele, sempre sensível à beleza feminina, claro, desdobrou-se em simpatia e logo as convidou para jantar. Final de noite, é Águeda quem lhe dá o número do telefone, mas era Mônica quem tocara o coração do artista. Coisas de poeta.
 
Dia seguinte, saem juntos, Toquinho e Mônica, e passam uma tarde feliz, conversando. Ele viajaria para o Rio no outro dia. Hora da partida, num rompante típico dos apaixonados, já na escadinha do avião, decide não embarcar: - "Não vou pegar esse avião. O que eu quero mesmo é ficar aqui." Desce rápido o lance de degraus e toma um táxi para o centro da cidade.
 
Mesmo dia, procura o pai da moça. Quer levá-la consigo para o Rio, mas seu Bento é resoluto: - "Viajar com Mônica, só casando!" É o que ocorreria em abril do ano seguinte, Vinicius como padrinho. Durante a cerimônia, o fundo musical deixava que se ouvisse não a tradicional Marcha Nupcial , mas a voz do próprio Toquinho interpretando uma música de Mutinho, com letra só dele, o noivo. Nascera, por força desse amor que reproduz o protótipo do amor dito romântico, Canção pra Mônica, uma das mais lindas do repertório de Antonio Pecci Filho, esse paulistano que é uma dos expoentes da Música Popular Brasileira.
 
É um poema longo, com uma estruturação rímica simples e versos absolutamente singelos, mas dotado de uma beleza poética que se compara ao que há de melhor na obra romântica de Vinicius de Moraes ou Chico Buarque de Hollanda: "Deixa eu poder reclamar / desse tempo passado sem desfrutar / sem sentir teu perfume, te ver, te tocar / sem sonhar os teus sonhos nem neles estar."
 
A letra, como se vê, constitui um apelo, desses tão recorrentes na história do cancioneiro popular ou na literatura, mas o casamento com a melodia de Mutinho a redimensiona e enriquece, além de exemplificar uma cantada irresistível desse carismático conquistador, tão bom poeta como compositor e instrumentista: "Deixa eu poder mendigar / as migalhas do vento que vem te alisar / se você num momento sem muito pensar / tenha os olhos atentos num outro lugar. / Deixa eu poder blasfemar / se qualquer dia desses eu necessitar / se buscando saídas eu me equivocar / e depois teu perdão eu tiver que implorar", diz a uma dada altura da música, para desfechar com a promessa de viver o amor em que pesem as diferenças: "Deixa eu querer-te, mulher, / dar-te tudo o que um dia você desejou / ter-te sempre a meu lado como você é / e te amar como eu sou."
 
Os fatos que levaram Toquinho a escrever a letra sobre a música de Mutinho, fugindo ao que é mais comum em sua rica obra, está no livro Toquinho, história das canções , de João Carlos Pecci e Wagner Homem, que li durante o final de semana e recomendo aos leitores dessa coluna. É o segundo livro da coleção, que foi inaugurada no início do semestre com o volume dedicado a Chico Buarque. Um primor.
 
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário