Semana que passou, escrevi neste espaço sobre Toquinho e, por tabela, a coleção Histórias de Canções, da editora Leya, que vem a público com assinatura do jornalista Wagner Homem. No texto, disse ser o volume dedicado a Antônio Pecci Filho o segundo da aludida coleção. Equívoco, o livro é o terceiro, uma vez que fora publicado antes um título sobre o compositor Paulo César Pinheiro. Indiferente ao fato, agora esclarecido, leitor pede que comente sobre o volume 1, Chico Buarque de Hollanda. Faço-o, com prazer.
Antes, devo acrescentar: a coleção História de Canções surgiu quando Wagner Homem teve a feliz ideia de colocar no papel as circunstâncias em que cada canção de Chico Buarque fora composta. Wagner é amigo íntimo de Chico e domina informações curiosas sobre quase tudo o que o multiartista fez em termos de MPB. Como ele mesmo fez questão de esclarecer, contudo, não se tratava de produzir um songbook ou uma biografia das muitas que já se conhecem sobre o próprio Chico. Não, o pesquisador queria algo mais que isso. Queria contextualizar músicas como A Banda, Pedro Pedreiro, Apesar de Você, Todo o Sentimento, por exemplo. Queria dizer em que momento da realidade brasileira o artista fizera clássicos como esses. O livro resultou maravilhoso e agrada antes de tudo pela leveza de linguagem com que o escritor trata verdadeiras obras-primas do cancioneiro popular. Mas, em atenção ao leitor desta coluna, teçamos algumas considerações sobre o livro dedicado a Chico, com que a coleção foi inaugurada.
Pois bem. O volume traz tantas e tão boas informações sobre o que há de mais representativo da genialidade do autor de Construção, que o próprio Chico diz num e-mail enviado a Wagner e publicado na contracapa: "[...] Enquanto lia, eu pensava, tenho uma história boa para contar ao Wagner. Mas, à medida que o livro avançava, todas essas histórias apareciam. [...] Acho que você as conhece todas, melhor que eu." De fato, o pesquisador vai fundo na intimidade criativa do gênio. Comenta, inclusive, músicas extraordinárias mas pouco conhecidas do grande público, a exemplo da belíssima Todo o Sentimento, que narra a necessidade que sente o amante de reviver um grande amor até seus últimos momentos: "Pretendo descobrir / No último momento / Um tempo que refaz o que desfez / Que recolhe todo o sentimento / E bota no corpo uma outra vez."
Letra esplêndida, que revela a sensibilidade romântica do Chico trovador. Segundo Wagner Homem, a música fora composta originalmente como um samba, mas uma greve de técnicos condicionou o autor a mexer nos arranjos e aproveitar uma gravação já feita mesmo em ritmo de canção. Lembra, ainda, que Todo o Sentimento faria parte, depois, da trilha da novela Vale Tudo, da TV Globo, 1988.
Samba, como queria Chico, ou canção, no que resultou este clássico do romantismo musical brasileiro, o certo é que Todo o Sentimento explora com maestria a trajetória de um amor que se recusa a perecer, mesmo quando cai "doente, doente". Não sem razão, assim é que termina essa emocionante declaração de amor, uma das mais extraordinárias letras de Chico Buarque de Hollanda: "Depois de te perder / Te encontro, com certeza / Talvez no tempo da delicadeza / Onde não diremos nada / Nada aconteceu / Apenas seguirei, como encantado / Ao lado teu." Poucas vezes, mesmo num cenário de verdadeiras obras-primas qual o da música popular brasileira, um poeta terá ido tão fundo no que há de mais essencial na história de um grande amor que não quer morrer. Recomendo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário