quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Uma forma amarga de nascer

Entre os filmes que adoro está Il Postino, que, no Brasil, tem o mesmo nome do livro em que foi inspirado: O Carteiro e o Poeta, de Antônio Skármeta. Não à toa, vire e mexe escrevo sobre esta adaptação maravilhosa levada ao cinema sob a direção de Michael Radford. Um clássico sobre a força prodigiosa da poesia na amizade e no amor. Ontem, a exemplo do que faço vez e outra na cadeira de Estética e Filosofia da Arte, mostrei a 'película' e abri o debate com os alunos. Um deles, quis saber: - "É ficção ou baseia-se em fatos reais da vida de Pablo Neruda." Ficção e realidade.

No livro, Skármeta ambienta a história no Chile, entre 1969 e 1973, ano em que morreu o poeta, contados dez dias do suicídio (?) de Salvador Allende. Nesse sentido, o filme se aproxima mais da verdade dos fatos, uma vez que o exílio de Neruda ocorreu em Capri, na Itália, onde viveria um incontornável amor clandestino com Matilde Urrutia, uma enfermeira que lhe prestara assistência depois que o poeta sofrera um acidente de automóvel em Santiago.

Segundo Skármeta, no delicioso Neruda por Skármeta, livro em que discorre sobre a sua amizade íntima com o poeta, a ideia do filme surgiu do acaso. O ator Massimo Troisi depara com uma tradução do livro para o italiano, "[...] Termina de lê-lo nessa mesma tarde em sua casa. Na mesma noite liga para o produtor e ordena, implora, que ele compre os direitos de adaptação do livro para o cinema." Esta a razão por que o filme é ambientado na Itália. Troisi, que interpretaria à perfeição o carteiro, sofria de uma doença grave e não estava em condições de viajar para fazer as gravações do filme fora do seu país. O porquê de ser italiana a obra que conquistaria o coração de cinéfilos mundo afora.

Skármeta faz alusão a um fato curioso ocorrido durante as filmagens: Radford, reparando no abatimento de Troisi, propõe ao ator suspender as filmagens até que se recupe. "Um filme não vale uma vida", teria argumentado. Ao que Troisi, num tipo de premonição, respondera: - "Estamos fazendo um filme para que os nossos filhos sintam orgulho da gente, certo?" Irônico. O coração do ator estancaria no dia exato em que foram concluídas as gravações de Il Postino. Troisi morreria sem conhecer o estrondoso sucesso do filme. Mas voltemos ao clamoroso romance de Neruda com Matilde.

De volta ao Chile, o poeta do amor tenta a custo esconder da verdadeira mulher, Delia del Carril, o seu envolvimento com Matilde. Em vão. Escrevera em intenção da amante o belo Os versos do Capitão, que assinara com o ingênuo pseudônimo de Anônimo. No livro, pasmem, alguns dos versos mais célebres de Neruda: "Tal vez llegará un día / en que un hombre / y una mujer, iguales / a nosotros, / tocarán este amor, y aún tendrá fuerza / para quemar las manos que lo toquen."*

Neruda, sob a repercussão do caso, romperia com Delia del Carril, para terminar seus dias ao lado de Matilde, a mulher a quem certamente dedicara o melhor de si como homem e amante. Se era reconhecedor das qualidades imensas de Delia, conforme faria sempre questão de por em evidência, compreendera, como afirma num dos seus versos antológicos "... que o amor extinto não é a morte / mas uma forma amarga de nascer."

* Talvez chegue um dia / em que um homem / e uma mulher, iguais / a nós dois / tocarão neste amor, que ainda terá força / para queimar as mãos que o toquem.

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