segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Então, é Natal!

Para Regina Jereissati

Lispector, Clarice Lispector, tem uma crônica que fala de uma experiência curiosa: recebera um telefonema de alguém comunicando que uma moça que conhecera faria uma apresentação musical na tevê. A cronista fica intrigada, pois a jovem tinha uma voz delicada, uma voz de criança, de um feminino infantil. Mas liga a tevê e se pergunta: - "Terá ela força ao piano?" E qual não é a surpresa, posto que a moça tocava um piano irrepreensível e cantava com uma emoção contagiante. Diz Clarice: - "Deus, ela possuía a força. Seu rosto era um outro, irreconhecível."

A escritora ficou de tal modo tocada pela arte da moça, que, sempre tão apolínea, não conseguiu conter as lágrimas. Como se o filho, que mal contava 14 anos, percebesse a emoção da mãe, esta tenta disfarçar: - "Estou nervosa, vou tomar um calmante." E o filho a surpreende com o que diz na crônica ter sido uma bela lição: - "Você não sabe diferenciar emoção de nervosismo? Você está tendo uma emoção." E Clarice, assimilada a lição, vive "o que era pra ser vivido."

Lembrei-me dessa historinha outro diz. Era um show do cantor Raimundo Fagner na programação dos 100 anos do Theatro José de Alencar. Eu assistia ao show pela tevê. No finalzinho, Fagner surpreende com a canção natalina de John Lennon e Y. Ono Então é Natal , numa bela versão de Claudio Rabello: "Então é Natal / E o que você fez / O ano termina / E nasce outra vez."

Fagner cantava com uma força interior, com uma entrega sentimental tamanha, que, a exemplo de Clarice, abandonei-me a uma emoção tão grande, tão inesperada e tão sincera, que, estando Saulo, o meu filho, ali ao lado, por pouco não reeditei Clarice: "Estou nervoso, vou tomar um calmante." E só então, como que por milagre, me veio à mente o sentido do que se passava comigo naquele instante. E vivi o que tinha de ser vivido.

Enquanto isso, inconfundível, Fagner continuava: "Então é Natal, pro enfermo e pro são. /Pro rico e pro pobre, num só coração. /Então bom Natal, pro branco e pro negro. /Amarelo e vermelho, pra paz afinal. /Então bom Natal, e um ano novo também. /Que seja feliz quem / souber o que é o bem."

Feliz Natal!

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