domingo, 9 de janeiro de 2011

Francisco, o disco

Leitor comenta coluna Todo Sentimento: - "Li sua crônica, mas não sabia que Chico Buarque tinha gravado. Conheço com Ney Matogrosso. Você não se enganou? Em que disco está?" [sic]. Não, não me enganei. A música, que de fato foi lançada na bela interpretação de Ney, está no LP Francisco, de 1987. Falo com segurança, pois se trata de um dos discos de Chico de que mais gosto. Aquele que, excentricamente, veio a mercado com três opções de capa. A minha versão estampa o artista num plano geral, atravessando uma rua onde se veem, ao fundo, alguns guarda-chuvas abertos. Lembro que em outra, também num plano geral, come uma maçã. Não me lembro da terceira.

Pois bem. É um disco particularmente lírico, em que aparecem algumas das composições mais inspiradas do viés romântico de Chico Buarque. Sobre Todo Sentimento, não vou tecer considerações, que já o fiz na crônica que você contesta. Mas, já que fui provocado [risos], não me furtarei de comentar o disco, pois, como disse, acho-o um primor. Se não, vejamos que poesia tão terna e tão pura: "Me dê notícia de você / Eu gosto um pouco de chorar / A gente quase não se vê / Me deu vontade de lembrar. [...] A gente quase não se vê / Eu só queria me lembrar / Me dê notícia de você / Me deu vontade de voltar." A música se chama Cadê Você.

É possível, até, que eu tenha um particular carinho por este álbum por ter assistido ao show, que leva o mesmo nome do disco e que aconteceu depois de um jejum de 14 anos no palco. Foi uma fase mais leve do compositor, o disco é mais marcado e chama a atenção o fato de as melodias casarem à perfeição com as letras, notadamente naquelas que tematizam o amor. Uma outra de que mais gosto, que me parece estar a nível de Todo Sentimento é Lola: "Sabia / Gosto de você chegar assim / Arrancando páginas dentro de mim / Desde o primeiro dia // Sabia / Me apagando filmes geniais / Rebobinando o século / Meus velhos carnavais // [...] Sabia / Que ia acontecer você um dia / E claro que já não me valeria nada / Tudo o que eu sabia / Um dia."

O disco traz, como carro-chefe, Estação Derradeira: "Quero ver a mangueira / Derradeira estação / Quero ouvir sua batucada, ai ai." Uma curiosidade: a Mangueira, no ano de lançamento do disco, vencera o Carnaval homenageando Carlos Drummond de Andrade. Uma consagração popular do nosso poeta maior.

Francisco, leitor, como se vê, é mesmo um dos meus discos preferidos do gênio. Não traz a cara política de álbuns anteriores, tem uma vocação melódica ligeiramente acústica e o tom poético parece revelar sentimentos subjetivos do compositor, mas é muito bonito. Desculpe se me estendi, mas a música foi mesmo gravada por Chico neste imperdível Francisco. Contudo, reconheço, você tem razão, a interpretação de Ney Matogrosso é perfeita.

Um comentário:

  1. "Francisco" é um belo trabalho do gde Chico, meio triste, meio saudosista, mas sensível e poético; talvez retrate uma certa melancolia que tomou conta da mpb em fins da década de 1980, havia um tom de decepção, de desesperança nos discos dos gdes compositores da época, quase todos tinham esse clima, foi uma fase...
    Qto a "Todo sentimento", além de Chico, a Verônica Sabino tbem havia gravado antes do Ney; mas foi na gravação de Matogrosso que essa linda valsa tomou a dimensão que merecia: o cello, o oboé e o piano se integram em total harmonia c/ o requinte da afinada voz de Ney, que dá a dramaticidade exata ao tema, sem pudores. Adorei seus textos, vc escreve muito bem, parabéns! E um -ainda em tempo- Feliz 2011!
    abs, Paulo

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