domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cisne Negro

Como não tivesse lido sobre o filme, em que pese a sua repercussão na imprensa como favorito ao Oscar de 2010, particularmente atraído pelo que, supunha, fosse uma releitura do Lago do Cisne, de Tchaikóvsky e Vladimir Begitchev, vou ao cinema para ver Cisne Negro, de Darren Aronofsky, o mesmo diretor de O Lutador. Ledo engano: o filme passa ao largo do libreto do clássico russo e gira mesmo em torno da bailarina Nina, quase sempre nos bastidores do balé de Nova York.

Se não saí maravilhado do cinema, o que, por exemplo, ocorreu a minha filha Carolina, que "amou", trouxe comigo o que será uma indicação obrigatória para os meus alunos de Filosofia e Estética da Arte, do curso de Cênicas do IFCE, tão-logo voltemos à sala de aula nessa segunda-feira. É que o filme de Aronofsky, muito mais que um filme sobre o balé clássico, tematiza um dos grandes desafios de todo artista: a busca pela superação dos seus limites. E o faz com uma intensidade dramática e um apuro estético raramente vistos nos últimos anos, o que, de cara, justifica o furor dos cinéfilos diante da película. Para não falar da interpretação de Natalie Portmam, que, não tenho a menor dúvida, arrebatará a estatueta de melhor atriz. Irrepreensível.

A trama começa quando o diretor da companhia, Thomas Leroy (Vicent Cassel) anuncia estar à procura de uma substituta para a dançarina Beth Macintyre (Winona Ryder), em vias de se aposentar. Em que pese ser a primeira na ordem de preferência do diretor, um mau-caráter que explora sexualmente as integrantes da companhia, Nina tem de enfrentar a concorrência desleal (no mau sentido!) da colega Lily (Mila Kunis). Está composta a intriga.

Mas, voltando ao leitmotiv da crônica, o que tem isso a ver com a formação dos meus alunos de teatro? Tudo. No que me parece ser mesmo uma fixação de Darren Aronofsky, que já explorara a tranposição dos limites profissionais em obras anteriores, o filme discute à exaustão um dos componentes mais complexos da personalidade artística, a mistura de profissionalismo, esmero técnico, dedicação para além dos limites humanos e a vaidade, a fantasia que perpassa a alma de todo artista em formação.

Numa complexa tessitura dramática, perpassada de intrigas e expedientes literalmente sangrentos, Nina tem um perfil adequado para brilhar como intérprete do Cisne Branco, como sabemos, terno e inocente, mas, como ocorre com frequência na vida dos jovens talentos, está determinada a brilhar no papel do Cisne Negro, pérfido e sensual, como previsto no libreto de Begitchev. É aí que o filme cresce em densidade psicológica: na ânsia de ganhar o papel, Nina descobre o que é um nó górdio da alta filosofia: a maior luta que temos por travar é com o inimigo que existe no íntimo de cada um de nós. Revela-se o lado tortuoso e assustador de sua personalidade, o que, invariavelmente, leva à autodestruição. Um filme que, para além de sua estonteante beleza plástica, leva-nos a refletir. O que, não bastassem suas outras qualidades, coloca Cisne Negro entre os principais acontecimentos da grande Arte em 2011.

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