Vira e mexe encontro com Evaldo Gouveia no restaurante do Paulinho. Na companhia do amigo Cícero Braz, que, além de poeta e trovador, é um grande conhecedor de música popular brasileira, ficamos horas jogando conversa fora, que é uma das coisas de que o genial compositor nunca abre mão. Evaldo é um conversador raro, desses que a gente fica ouvindo uma tarde inteira sem cansar e de cujos 'causos' tiram-se belas lições.
Vez e outra, que ninguém tem cérebro de computador, mesmo em se tratando de um talento da estatura de Evaldo Gouveia, Braz nos prega uma peça: marcando o compasso e nomeando notas, cantarola uma canção não muito conhecida, mas invariavelmente bela. Ficamos, Evaldo e eu, curiosos: de quem é a composição? "É tua Evaldo!", responde o Braz jocosamente. Nada que cause estranhamento, quando se está diante do mais prolífico compositor brasileiro vivo. Evaldo Gouveia tem um repertório de mais de mil músicas, razão por que, entre um guaraná e outro, se surpreende com a tessitura musical e poética de uma canção que, sem lembrar, compôs em tempos que já vão longe. Os gênios são assim.
Comenta-se que Chico Buarque, certa vez, voltou para casa de táxi por uma simples razão: esquecera onde estacionara seu carro numa rua do Rio.Tom Jobim, dizem os biógrafos, acendia um novo cigarro mal dera o primeiro trago noutro. Cabeça de artista tem muito mais com o que ficar atento. É o caso de Evaldo, de longe o maior compositor brasileiro no gênero samba-canção. "Conheço bem / tuas promessas / outras ouvi iguais a esta / este teu jeito de enganar / conheço bem."
Vendo-o ali, à minha frente, recordando as circunstâncias em que compôs uma e outra canção, revivendo emoções que, por certo, terão marcado sua vida, fico pasmo ao pensar no quanto não se põe cuidado na memória da música popular brasileira. Nenhum registro mais atento, nenhum interesse em documentar o que se fez de bom no cancioneiro popular, salvos uns gatos pingados nascidos em berços esplêndidos. Uma pena.
Nesse sábado, para brindar os namorados de sua terrinha, sob o céu estrelado mais bonito que conheço, e que viu nascer outros dois gigantes da música, Humberto Teixeira e Eleazar de Carvalho, Evaldo Gouveia estará em Iguatu. Na bagagem, já soube, vai levando alguns dos maiores clássicos de sua lavra, gravados na voz de muitos e muitos dos nossos maiores intérpretes, como Altemar Dutra, Gal Costa, Jair Rodrigues, Alaíde Costa, Ângela Maria, para ficar nuns poucos -- e não lembrar o disco por inteiro que lhe dedicou Cauby Peixoto. Que, lá pelas tantas, os amigos me façam um brinde, no momento em que a voz inconfundível de Evaldo declinar, límpida e com o infalível afinamento, a sua canção de que mais gosto: "Tu passas pela rua / e a vida continua / e, em mim também, / esta saudade sempre tua."
Meu amigo, Álder. Parabéns pelo belo texto. Você retratou, com singeleza, a essência do Evaldo, suscitando em nós a vontade de conhecê-lo melhor e à sua obra. Comparando-o com outros gênios do nosso cancioneiro vc fêz justiça, acertando quanto ao despreendimento de alguns deles em relação a fatos. Orgulha-me muito sua alusão à minha pessoa. A propósito, quando o Evaldo falou-me, mês passado, sobre esse show e de sua felicidade em fazê-lo, disse: "Braz, faz a divulgação, tu sabes coisas de minha vida que eu mesmo já esqueci". Realmente, esses gênios. Abraços, meu amigo.
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