quinta-feira, 26 de maio de 2011

O amor em Bergman

Em Cenas de um casamento, obra inicialmente produzida para a televisão sueca, Ingmar Bergman discute em profundidade o casamento. Mostra a ascensão e queda do sentimento passional, como se dão os primeiros desentendimentos, como se desenvolve a crise e como a dificuldade de comunicação entre os amantes acaba por levar o relacionamento à falência. Um belo, um belíssimo filme, com Erland Josephson e Liv Ullman interpretando à perfeição as personagens Marianne e Johan. O filme é de 1973, e, consta, constituiu um incentivo para que o número de divórcios aumentasse vertiginosamente na Suécia e noutros países europeus.
 
Num livro de crônicas, escrevi sobre essa obra maravilhosa de Bergman, algo intitulado, se não me engano, O amor não é necessário, que, à época, levaria o deputado Heitor Ferrer a citá-la num pronunciamento e a pedir sua inserção nos anais da Assembleia Legislativa. Fora publicada em primeira mão no jornal O Povo. Acho que a crônica agradou, particularmente, pela citação que faço de uma fala de Marianne refletindo sobre o que é o amor. Diz ela: - "Acho que basta ser gentil àqueles com quem vivemos. Afeto também é bom. Humor, amizade, tolerância. Ter expectativas sensatas. Tendo isso, o amor não é necessário."  
 
Em face da repercussão que a crônica viera a ter, fiquei pensando com os meus botões: "Poxa, como as pessoas estão mesmo carentes do que seria essencial em suas vidas amorosas!" O curioso é que a personagem de Bergman diz isso quando lhe começam a faltar essas coisas e o fim do relacionamento se aproxima. Tenho estudado a filmografia do cineasta sueco e procurado ver alguns dos seus grandes filmes à luz do que disse em muitas de suas entrevistas sobre o amor, quase sempre dando a ver o que terá sido a sua própria vida amorosa, com as atrizes Ingrid Bergman e Liv Ulmman, especialmente. E concluo: Bergman foi um infeliz no amor.
 
Agora por último, revi a continuidade de Cenas de um casamento, um filme ainda mais poético. Intitula-se Saraband, o último realizado por Bergman, "um poderoso e ferino rugido final de um grande homem de cinema", nas palavras de Richard Corliss, prestigiado crítico da revista Time. Roteiro maravilhoso, atuações soberbas, o amor agora analisado sob uma nova dimensão: Trinta anos depois de separados, Marianne decide visitar Johan no seu retiro feito de solidão e velhice. No reencontro, uma das mais comoventes cenas de toda a filmografia bergmaniana, quando Johan, pouco antes de abraçá-la carinhosamente, dirige-se a ex-mulher: - "É assim, na vida dos ex-amantes. No começo, telefonam-se com frequência, como se quisessem sofrer juntos a dor da separação. Com o tempo, deixam de telefonar. Fica só o silêncio." As mesmas palavras com que Bergman comentaria, numa de suas últimas entrevistas, o tema da velhice e da solidão, um dos dos que soube explorar como ninguém na sua arte inconfundível.

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