quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Os brutos também amam

Tinha eu uns 10,11 anos, quando um tio, Manuel Mathias Costa, que, além de usineiro, era produtor de algodão e criador de gado, para surpresa de todos, compra um cinema. Chamava-se Cine Alvorada, sucedâneo do Cine Sá, localizado bem em frente do seu concorrente, o Cine São José, que ficava do outro lado da praça. Isso era por volta de... de... (Não percamos tempo com um detalhe tão desimportante) [risos]. A verdade é que, depois de ganhar um passe 'vitalício' de entrada, passei a ver um filme atrás do outro, o que fez nascer em mim o cinéfilo que sou. Não saberia lembrar, pelo tempo que faz, qual o primeiro filme a que assisti, mas tenho uma leve impressão de que foi algum Tarzan. Johnny Weissmuller era o meu preferido, embora me intrigasse o fato de ser gordinho e de, não raro, ser completamente dominado pelos inimigos. Havia sempre uma forma de se safar, nem que para isso dependesse da macaca Chita.

Depois, vieram os westerns, sobre os quais já discorri em colunas anteriores. A propósito, leitor questionou dia desses: - "Não sei como você continua aplaudindo um charlatão como John Wayne." Talvez pelo fato de que o mundo inteiro o faça, apesar de suas reconhecidas limitações como ator. Ironia à parte, a verdade é que, influenciado ou não pela verdadeira devoção que lhe dedicam cinéfilos daqui e de além, Wayne invariavelmente desempenhou com correção os muitos papeis que lhe foram confiados, razão por que, suponho, tenha arrebatado tantos prêmios, inclusive um Oscar dos anos 60 por sua atuação em Bravura Indômita.

Há, dessa safra hollywoodiana, um filme que ainda hoje (pois o revejo vez ou outra!) me emociona: Shane, que no Brasil tem o título de Os Brutos Também Amam. É um filme narrado todo na perspectiva de um garoto, Joey, que cria uma verdadeira fixação por ele, Shane, um homem de passado supostamente complicado que se estabelece na fazenda de seus pais e passa a protegê-los com a precisão do seu gatilho e a força do seu braço. Duas ou três cenas do filme são mesmo inesquecíveis: a primeira delas, quando Shane se desentende com o pai de Joey, Starret, que acaba de expulsá-lo de sua propriedade. Percebendo a chegada de um fazendeiro poderoso e seus comparsas, que querem afugentar dali o pobre colono, Shane circunda a casa e aparece, calmo e manso, a poucos passos. O bandido interroga: - "Quem é o sujeito ali?" E Shane, sem que Starret o tivesse visto, responde: - "Sou amigo de Starret." A cena é de uma beleza e um sentido marcantes. Acho uma das cenas que melhor falam do companheirismo.

Dirigido com maestria por George Stevens, entre outras coisas, Shane fala da atração que o desconhecido pode exercer sobre as pessoas. Além de Joey, também sua mãe se deixa atrair de forma inexplicável pelo forasteiro. Numa cena, particularmente, é que se percebe isso, quando ela aconselha o filho a não se prender muito a Shane: - "Para não sofrer quando ele for embora." Noutra, na tentativa de resistir à força do que poderá se tornar uma paixão, pede ao marido que a abrace com calor. Não se tratando de algo muito atípico nos faroestes, o tema é tratado em Os Brutos Também Amam com uma sutileza de estilo e um lirismo tocantes.

Mas é a cena final do filme que mais emociona. Depois de vencer todos os inimigos de Starret, sentindo ter cumprido sua missão, ou quem sabe determinado a fugir de um provável envolvimento com a mulher do amigo, Shane decide partir, mas descobre que o pequeno Joey acompanhara a troca de tiros escondido sob uma mesa do saloon. É quando se despede do garoto e segue para destinos desconhecidos, ainda ouvindo seus gritos: - "Shane, eu te amo! Shane, eu te amo!" Sem falar nas imagens e música arrebatadoras que fazem desse filme um dos clássicos da sétima arte.





Nenhum comentário:

Postar um comentário