Braz de Almeida, cronista e bom intérprete da MPB, lê coluna sobre a Semana de Arte Moderna e discorre acerca da presença de Mário e Oswald de Andrade no modernismo brasileiro, para ele menos importante do que a de outros nomes da segunda e terceira fases. Polêmica à parte, considero consistentes algumas questões levantadas pelo leitor: de fato, a segunda fase do modernismo brasileiro representa um amadurecimento estético e crítico em face das questões centrais que nortearam os autores da fase inaugural. Nada, contudo, que justifique fechar os olhos para o que fizeram de significativo para a inteligência do país Mário e Oswald de Andrade.
Enquanto Mário foi, à época, o mais completo estudioso da brasilidade, ao lado de ter escrito algumas obras indispensáveis para o entendimento do caráter nacional brasileiro, Macunaíma à frente, Oswald de Andrade foi um intelectual transgressor, um Caetano Veloso do seu tempo, dono de uma verve crítica inquietante para um Brasil que dormia em berço esplêndido, entregue às importações artísticas raras vezes capazes de separar o joio do trigo. É rever os fatos que marcaram a vida de São Paulo na década de 20 e inícios de 30 para constatar: Oswald foi um intelectual delirante no sentido bom da palavra. Um revolucionário em termos estéticos e (como deixar de ver?) políticos, na medida em que pensou um Brasil atento às grandes transformações do mundo. Como, aliás, está emblematicamente registrado no último longa-metragem do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, à venda em qualquer boa livraria do país, em reedição extremamente bem cuidada.
Assim, quando o leitor exalta as fases posteriores do modernismo, referindo-se textualmente aos anos 40, terceira fase, portanto, comete, no meu humilde juízo, um equívoco. Em que pese ter entre os seus 'quadros' nomes sagrados, da estatura de um Guimarães Rosa, por exemplo, a terceira fase representou um recuo em relação às conquistas de 22 e 30. Essa geração constituiu em termos estéticos uma tentativa de retomada da literatura paletó-e-gravata que os dois Andrade haviam combatido com seus estilos transgressores e profundamente originais. Nesses termos, leitor, fazendo minhas as palavras de Mário, a Semana de Arte Moderna foi, antes de tudo, uma atualização do pensamento intelectual brasileiro e uma tomada de consciência dos avanços estéticos ocorridos na Europa, sem o que a nossa arte haveria de continuar pobre e acanhada. Nesse sentido, os dois escritores, a que você se referiu um tanto depreciativamente, são os grandes responsáveis pelo Brasil artístico de hoje, muito mais rico e expressivo nos campos da literatura, das artes plásticas e do cinema -- o mesmo, infelizmente, não se podendo dizer da música (o que temos de melhor!), que atravessa uma fase de pobreza jamais ocorrida entre nós.
A propósito, participando de um grupo de cinéfilos da mais alta qualidade, que tem como comandante o querido médico e amigo Cesar Lincoln, ouço de um profundo conhecedor da sétima arte comentário um tanto depreciativo ao cinema brasileiro. Discordo: temos um cinema de boa qualidade, e não me refiro aos blockbusters da atualidade, na linha de Cidade de Deus e Tropa de Elite, cujas produções os colocam em níveis mais hollywoodianos -- e os torna merecedores de análises mais identificadas com os padrões do 'grande cinema'. Falo do cinema novo e das produções de mesmo calibre, a exemplo do sublime São Bernardo, de Leon Hirsman, uma narrativa fílmica seca e sem artifícios tanto quanto o livro em que foi plasmado. Obra-prima com que fui presenteado, esta semana, pelo cineasta e crítico de cinema Regis Frota. Mas, sobre isso, volto a falar depois.
Enquanto Mário foi, à época, o mais completo estudioso da brasilidade, ao lado de ter escrito algumas obras indispensáveis para o entendimento do caráter nacional brasileiro, Macunaíma à frente, Oswald de Andrade foi um intelectual transgressor, um Caetano Veloso do seu tempo, dono de uma verve crítica inquietante para um Brasil que dormia em berço esplêndido, entregue às importações artísticas raras vezes capazes de separar o joio do trigo. É rever os fatos que marcaram a vida de São Paulo na década de 20 e inícios de 30 para constatar: Oswald foi um intelectual delirante no sentido bom da palavra. Um revolucionário em termos estéticos e (como deixar de ver?) políticos, na medida em que pensou um Brasil atento às grandes transformações do mundo. Como, aliás, está emblematicamente registrado no último longa-metragem do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, à venda em qualquer boa livraria do país, em reedição extremamente bem cuidada.
Assim, quando o leitor exalta as fases posteriores do modernismo, referindo-se textualmente aos anos 40, terceira fase, portanto, comete, no meu humilde juízo, um equívoco. Em que pese ter entre os seus 'quadros' nomes sagrados, da estatura de um Guimarães Rosa, por exemplo, a terceira fase representou um recuo em relação às conquistas de 22 e 30. Essa geração constituiu em termos estéticos uma tentativa de retomada da literatura paletó-e-gravata que os dois Andrade haviam combatido com seus estilos transgressores e profundamente originais. Nesses termos, leitor, fazendo minhas as palavras de Mário, a Semana de Arte Moderna foi, antes de tudo, uma atualização do pensamento intelectual brasileiro e uma tomada de consciência dos avanços estéticos ocorridos na Europa, sem o que a nossa arte haveria de continuar pobre e acanhada. Nesse sentido, os dois escritores, a que você se referiu um tanto depreciativamente, são os grandes responsáveis pelo Brasil artístico de hoje, muito mais rico e expressivo nos campos da literatura, das artes plásticas e do cinema -- o mesmo, infelizmente, não se podendo dizer da música (o que temos de melhor!), que atravessa uma fase de pobreza jamais ocorrida entre nós.
A propósito, participando de um grupo de cinéfilos da mais alta qualidade, que tem como comandante o querido médico e amigo Cesar Lincoln, ouço de um profundo conhecedor da sétima arte comentário um tanto depreciativo ao cinema brasileiro. Discordo: temos um cinema de boa qualidade, e não me refiro aos blockbusters da atualidade, na linha de Cidade de Deus e Tropa de Elite, cujas produções os colocam em níveis mais hollywoodianos -- e os torna merecedores de análises mais identificadas com os padrões do 'grande cinema'. Falo do cinema novo e das produções de mesmo calibre, a exemplo do sublime São Bernardo, de Leon Hirsman, uma narrativa fílmica seca e sem artifícios tanto quanto o livro em que foi plasmado. Obra-prima com que fui presenteado, esta semana, pelo cineasta e crítico de cinema Regis Frota. Mas, sobre isso, volto a falar depois.
A democracia é isso, poder expressar seu ponto de vista sem ter de se esconder depois de fundamentalistas. Acredito, e essa é uma opinião simplória de um simplório leitor, que qualquer um que inicie um movimento, em qualquer que seja o “departamento”, mesmo vindo a não ser tão brilhante como os seus ‘herdeiros’, não pode e não deve ser julgado como menos importante. As gerações seguintes, como você bem diz, Álder, quiseram, inconscientemente, se oprimir pela gravata; e não há nada mais opressor do que esta.
ResponderExcluirMário transbordava cultura, Oswaldo era inventor genial de novas palavras... e eram dois mestres incontestáveis, diferentemente da nossa fase musical: con-tes-tá-vel, assim como esse cinema tupiniquim que não consegue descer dos morros cariocas.