O Brasil começou a semana mais pobre e mais triste. Morreram Chico Anysio, com o verbo assim no plural, porque com ele morreram mais de duzentos outros brasileiros que aprendemos a amar: Azambuja, Tavares, Alberto Roberto, Bozó, Salomé, Bento Carneiro e o seu alterego, professor Raimundo, para ficar nos que me ocorrem no momento em que produzo esta crônica. Morreram porque não existe no Brasil (e nunca mais existirá) comediante capaz de 'fazê-los' como Chico fez. Nenhum, no Brasil de hoje e de amanhã.
Chico Anysio não foi apenas o maior comediante da nossa tevê. Chico Anysio foi o maior de todos os atores que tivemos em todos os tempos. Numa palavra: Chico Anysio foi o único gênio da televisão brasileira. Chico Anysio foi o nosso Charlie Chaplin, porque só no artista inglês encontro um paralelo que faça justiça a Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho. E não vou falar nos quase trinta livros que escreveu, nem nas centenas de telas que pintou. Quero falar do ator, porque Chico foi, como poucos no mundo, um ator excepcional, sublime.
Lido com o teatro, conheço alguma coisa de cinema, atuei como intérprete em palcos, e estudo, por dever de ofício, os procedimentos técnicos que podem levar um homem ou uma mulher a ser convincente na pele de uma personagem. Mas ainda fico boquiaberto diante do talento de Chico como intérprete. De um filme a outro, falemos de Laurence Olivier ou de Kenneth Branagh, impossível não haver um traço que lembre um personagem e outro. Há sempre uma forma de andar, um tom de voz, um esboço de sorriso, uma expressão de dor, um vício gestual que nos causam certo estranhamento, que nos fazem lembrar do ator que está por dentro da personagem. Em Chico, não. Ele era duzentos, duzentos e dez.
Elaborava com tal perfeição as suas personagens, que nos fazia esquecer que ali estava um ator atuando. Na arte de Chico Anysio não havia ilusão de realidade: na hora e meia, duas horas de duração dos seus programas de humor, a diegese dramática (o mundo da ficção), como que numa coisa dos deuses, era realidade. Isso, no entanto, não o impedia de transitar de Stanislávski a Brecht num piscar de olhos, a exemplo do que fazia ao encerrar o quadro da escolinha com o impagável bordão: - "E o salário, ó!" Na sua técnica de interpretar, que ultrapassa os limites do mero rigor estético, havia algo de intraduzível com palavras: não eram as perucas, o figurino, os adereços de composição da personagem. Não eram apenas as vozes (que sabia criar à perfeição), os trejeitos, as diferentes formas de olhar. Era a alma mesma da personagem que Chico Anysio sabia compor como mais ninguém.
Por conta dessa genialidade, dessa capacidade incomparável de "outrar-se", acho mesmo que não é no teatro nem no cinema que vamos encontrar um gênio para cotejar com Chico, a fim de verificar diferenças e semelhanças existentes. Penso que só na literatura haverá um fenômeno que se lhe compare. Falo de Fernando Pessoa, com os seus mais de cem heterônimos. Sim, as mesmas particularidades de individuação que vamos identificar em Alberto Caeiro, Ricardo Reys e Álvaro de Campos, personalidades artísticas tão dessemelhantes, que na poesia de Pessoa os tornavam únicos, vamos encontrar nos muitos seres criados por esse cearense esplêndido, que povoaram e vão povoar sempre o imaginário brasileiro. Morreram Chico, razão por que o Brasil ficou mais pobre e mais triste desde a última sexta-feira.
Chico Anysio não foi apenas o maior comediante da nossa tevê. Chico Anysio foi o maior de todos os atores que tivemos em todos os tempos. Numa palavra: Chico Anysio foi o único gênio da televisão brasileira. Chico Anysio foi o nosso Charlie Chaplin, porque só no artista inglês encontro um paralelo que faça justiça a Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho. E não vou falar nos quase trinta livros que escreveu, nem nas centenas de telas que pintou. Quero falar do ator, porque Chico foi, como poucos no mundo, um ator excepcional, sublime.
Lido com o teatro, conheço alguma coisa de cinema, atuei como intérprete em palcos, e estudo, por dever de ofício, os procedimentos técnicos que podem levar um homem ou uma mulher a ser convincente na pele de uma personagem. Mas ainda fico boquiaberto diante do talento de Chico como intérprete. De um filme a outro, falemos de Laurence Olivier ou de Kenneth Branagh, impossível não haver um traço que lembre um personagem e outro. Há sempre uma forma de andar, um tom de voz, um esboço de sorriso, uma expressão de dor, um vício gestual que nos causam certo estranhamento, que nos fazem lembrar do ator que está por dentro da personagem. Em Chico, não. Ele era duzentos, duzentos e dez.
Elaborava com tal perfeição as suas personagens, que nos fazia esquecer que ali estava um ator atuando. Na arte de Chico Anysio não havia ilusão de realidade: na hora e meia, duas horas de duração dos seus programas de humor, a diegese dramática (o mundo da ficção), como que numa coisa dos deuses, era realidade. Isso, no entanto, não o impedia de transitar de Stanislávski a Brecht num piscar de olhos, a exemplo do que fazia ao encerrar o quadro da escolinha com o impagável bordão: - "E o salário, ó!" Na sua técnica de interpretar, que ultrapassa os limites do mero rigor estético, havia algo de intraduzível com palavras: não eram as perucas, o figurino, os adereços de composição da personagem. Não eram apenas as vozes (que sabia criar à perfeição), os trejeitos, as diferentes formas de olhar. Era a alma mesma da personagem que Chico Anysio sabia compor como mais ninguém.
Por conta dessa genialidade, dessa capacidade incomparável de "outrar-se", acho mesmo que não é no teatro nem no cinema que vamos encontrar um gênio para cotejar com Chico, a fim de verificar diferenças e semelhanças existentes. Penso que só na literatura haverá um fenômeno que se lhe compare. Falo de Fernando Pessoa, com os seus mais de cem heterônimos. Sim, as mesmas particularidades de individuação que vamos identificar em Alberto Caeiro, Ricardo Reys e Álvaro de Campos, personalidades artísticas tão dessemelhantes, que na poesia de Pessoa os tornavam únicos, vamos encontrar nos muitos seres criados por esse cearense esplêndido, que povoaram e vão povoar sempre o imaginário brasileiro. Morreram Chico, razão por que o Brasil ficou mais pobre e mais triste desde a última sexta-feira.
Simlesmente perfeito! Parabéns pela crônica, meu amigo. Excelente mesmo, viu!
ResponderExcluirLi muito do que se escreveu sobre Chico Anysio, mas achei a sua crônica a melhor de todas! Excelente! Você disse tudo.
ResponderExcluirSaudações!
ResponderExcluirBota tristeza nisso, meu amigo Álder! Não bastasse a perda irreparável, insubstituível ― como o próprio Chico dizia quando se referia aos humoristas ―, agora perdemos também Millôr Fernandes, cronistas, cartunista, teatrólogo, jornalista, enfim, outro gênio completo (e me perdoe se fui redundante) das nossas artes e da língua portuguesa. Só não foi maior do Chaplin porque não era americano (embora Chaplin fosse inglês). Caso fosse, com todo respeito ao mestre Chaplin, os americanos teriam dado um jeito de lhe passar a coroa.
Chico, além do seu talento, maravilhosamente me surpreendeu ao pedir que parte das suas cinzas fossem levadas para a sua terrinha natal, deixando um claro exemplo de que nunca se esqueceu de seu torrão de origem, como muitos fazem. Millôr, Chico, minha eterna reverência!
Belo texto, Álder! Abraços!!