Amigo Cesar Lincoln: Gostei (e gostei muito!) do filme de Marguerite Duras. Como nunca fui de me curvar aos juízos estéticos da grande crítica (muito embora respeitando-os), estou consciente de que corro o risco de dizer impropriedades. Vá lá que seja! Mas arrisco: acho que o filme se coloca à perfeição na linha do "escrever com a câmera", e convence enquanto tal. Há um não sei quê de Antonioni de O Eclipse, não lhe parece? A câmera fixa, quase sem movimento e uns planos vazios (sem personagens) de tirar o fôlego. Para não falar dos ecos da rua, dos indícios de um mundo exterior através do noticiário do rádio, das vozes fora de quadro ou do gato que se arrasta pelos vãos da casa. Talvez aí se possa ver a ficcionista, com descrições que aparentemente pouco acrescentam à narrativa e no entanto servem para ditar o ritmo do filme. Imagens que, de fato, não 'querem' afirmar mais do que já está na própria história... A solidão humana e sua incapacidade de se comunicar. O silêncio é, por isso mesmo, uma 'voz' diegética exemplarmente bem explorada por Duras. Há passagens do filme que nos levam, inconscientemente quase, a querer passar a página, como se faz com um livro. Pronto, achei o rótulo que buscava para a película: é um filme "livresco", para o qual cabe como uma luva a expressão "ler o filme", que nos é tão cara!
Como a grande parte dos que lerão esta crônica supostamente não viram o filme, permita-me o esboço de uma sinopse do mesmo. Datado de 1972, mas nunca exibido no Brasil até chegar em DVD (se estiver equivocado, me corrija!), o filme chama-se Nathalie Granger, escrito e dirigido pela francesa, nascida no Vietnã, Marguerite Duras. Narra uma tarde na vida de duas mulheres, ambas tragadas pela solidão e a mesmice de sua casa. Isabelle Granger, emblematicamente interpretada por Jeanne Mureau, vive o drama de uma mãe em face do comportamento violento da filha. O filme transcorre quase integralmente na intimidade da casa, as personagens submersas nas águas profundas da solidão e da incomunicabilidade.
O tema, meu caro Cesar, é de uma modernidade agressiva. Não seria a incapacidade de se comunicar um dos dramas de nosso tempo, na contramão do que podem sugerir os avanços da tecnologia e o acesso aos meios de comunicação de hoje? Acho mesmo que aí está o gargalo do conflito humano de agora: o mundo virtual nos levando em frações de segundo aos lugares mais distantes, enquanto sequer sabemos o nome do vizinho com que cruzamos todas as manhãs no elevador do prédio em que moramos. Nesse aspecto, pois, é que o filme de Duras, decorridos quarenta anos desde a sua realização, continua tão atual. Mas, como toda arte é forma, o que lhe dá o status de cultmovie (no bom sentido) é o 'como' a cineasta nos diz isso, escrevendo com a câmera uma história que diz tanto de todos nós.
A cena em que Depardieu tenta convencer as duas mulheres a comprar uma máquina de lavar, é impagável. Vê-se aí o que é o trabalho de um grande ator. Cena tão simples, tão aparentemente desprovida de densidade dramática, e tão reveladora da nossa incapacidade de chegar ao outro, que é o leimotiv da (in)ação por que Duras conduz a sua história. Os vacilos de linguagem, as mãos perdidas na inexistência de uma expressão convincente, o olhar sem brilho de Depardieu, é arte pura, Cesar. E sob este aspecto, mais uma vez se faz perceber o talento de Marguerite Duras como diretora. Vê-se ali o comando de quem elabora a personagem e sabe o que tirar de suas entranhas enquanto intrumento imprescindível da enunciação -- a complexidade do seu conflito. Eu tinha tanto por dizer sobre esse belo Nathalie Granger, mas não vou roubar o seu precioso tempo. Obrigado pelo presente, que tanto me impressionou.
Como a grande parte dos que lerão esta crônica supostamente não viram o filme, permita-me o esboço de uma sinopse do mesmo. Datado de 1972, mas nunca exibido no Brasil até chegar em DVD (se estiver equivocado, me corrija!), o filme chama-se Nathalie Granger, escrito e dirigido pela francesa, nascida no Vietnã, Marguerite Duras. Narra uma tarde na vida de duas mulheres, ambas tragadas pela solidão e a mesmice de sua casa. Isabelle Granger, emblematicamente interpretada por Jeanne Mureau, vive o drama de uma mãe em face do comportamento violento da filha. O filme transcorre quase integralmente na intimidade da casa, as personagens submersas nas águas profundas da solidão e da incomunicabilidade.
O tema, meu caro Cesar, é de uma modernidade agressiva. Não seria a incapacidade de se comunicar um dos dramas de nosso tempo, na contramão do que podem sugerir os avanços da tecnologia e o acesso aos meios de comunicação de hoje? Acho mesmo que aí está o gargalo do conflito humano de agora: o mundo virtual nos levando em frações de segundo aos lugares mais distantes, enquanto sequer sabemos o nome do vizinho com que cruzamos todas as manhãs no elevador do prédio em que moramos. Nesse aspecto, pois, é que o filme de Duras, decorridos quarenta anos desde a sua realização, continua tão atual. Mas, como toda arte é forma, o que lhe dá o status de cultmovie (no bom sentido) é o 'como' a cineasta nos diz isso, escrevendo com a câmera uma história que diz tanto de todos nós.
A cena em que Depardieu tenta convencer as duas mulheres a comprar uma máquina de lavar, é impagável. Vê-se aí o que é o trabalho de um grande ator. Cena tão simples, tão aparentemente desprovida de densidade dramática, e tão reveladora da nossa incapacidade de chegar ao outro, que é o leimotiv da (in)ação por que Duras conduz a sua história. Os vacilos de linguagem, as mãos perdidas na inexistência de uma expressão convincente, o olhar sem brilho de Depardieu, é arte pura, Cesar. E sob este aspecto, mais uma vez se faz perceber o talento de Marguerite Duras como diretora. Vê-se ali o comando de quem elabora a personagem e sabe o que tirar de suas entranhas enquanto intrumento imprescindível da enunciação -- a complexidade do seu conflito. Eu tinha tanto por dizer sobre esse belo Nathalie Granger, mas não vou roubar o seu precioso tempo. Obrigado pelo presente, que tanto me impressionou.
Saudações, Álder!
ResponderExcluirDevo admitir que não vi o filme mencionado no seu texto (e tampouco conhecia sua existência). Mas, contudo, não posso deixar de... ser justo: Bela sinopse, hein! Agora, se tem um ator nessa película que dispensa nossos mais esmiuçados comentários, é o brilhante Gérard Depardieu. Este, sem sombra de dúvida, será imortalizado.
Abraços!!