O escritor Eduardo Galeano tem um pequeno texto de que gosto muito. Intitula-se A função da arte e encontra-se n'O livro dos abraços. Diz mais ou menos assim, que vou citá-lo de cor:
"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
-- Pai, me ajuda a olhar!"
Lembro disso a propósito de uma pergunta que me fez outro dia um aluno: -- "É possível ensinar alguém a gostar da arte?", indagou-me, à hora do intervalo, uma certa manhã. Entre embaraçado e contente com a sua curiosidade, lancei mão da historinha do cronista uruguaio a fim de tentar responder o irrespondível: o desafio está em ajudar alguém a olhar a arte e descobrir o quanto existe de beleza nela. Falo da arte, como um todo, independentemente de se tratar das artes visuais (pintura, escultura, arquitetura), de uma música, de um espetáculo de teatro, enfim. Do cinema, por exemplo, razão por que tenho me empenhado em escrever tanto sobre filmes, aqui, neste espaço.
Digo isso e me ocorre lembrar de um irmão querido por cujas mãos (ou olhos) fui aprendendo a olhar o cinema de maneira diferente, mais atenta e mais sensível. Tinha por volta dos 12, 13 anos, não muito mais, ou menos. Emídio, é como se chama o irmão, sempre solícito às minhas perguntas tantas, com a paciência e o coração enorme que é mesmo a marca da sua índole, fazia-me ver cada detalhe de um filme, o enquadramento da cena, a expressividade da luz, a forma como a câmera optava pela escala de um plano... a beleza, enfim, do cinema. Vira e mexe, revendo um clássico do western, gênero que nos encantava à época (e me fascina, ainda), sinto saudade do mano Emídio com uma pitada de gratidão cinéfila, que me perdoem o mal jeito da expressão.
Nesses últimos meses, entre um Bergman e um Fellini antigo, tenho me dado ao prazer de rever os faroestes de minha predileção, John Ford à frente, de quem vi, ontem, por exemplo, O homem que matou o facínora, filme de encher os olhos, uma aula -- mesmo! -- de cinema. Sem contar com a irresistível Vera Miles, no elenco.
James Stewart, o ator preferido de Hitchcock, interpreta um advogado "frouxo" e oportunista a quem, equivocadamente, é atribuído o feito heroico de ter matado um fora da lei perigoso e temido, Liberty Valance (Lee Marvin) pelo que é aclamado e, em recompensa, eleito político de sucesso. No final, num lance de roteiro que a sensibilidade fílmica do meu irmão antevira, sabe-se que o tiro fatal partira mesmo da personagem de John Wayne, o verdadeiro herói, que, ironicamente, morre pobre e bêbado. A arte imitando a vida!
Se é verdade que interpretar a arte e desvendar os seus intrincados mistérios pode reduzi-la a um conceito, um tipo de simplificação que não se aconselha, não é menos verdade que se pode ajudar alguém a olhá-la, a penetrar nos espaços sombrios da sua tessitura, a vivê-la, um tanto mudo de beleza, como o menino de Galeano -- com o mar na frente de seus olhos.
"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
-- Pai, me ajuda a olhar!"
Lembro disso a propósito de uma pergunta que me fez outro dia um aluno: -- "É possível ensinar alguém a gostar da arte?", indagou-me, à hora do intervalo, uma certa manhã. Entre embaraçado e contente com a sua curiosidade, lancei mão da historinha do cronista uruguaio a fim de tentar responder o irrespondível: o desafio está em ajudar alguém a olhar a arte e descobrir o quanto existe de beleza nela. Falo da arte, como um todo, independentemente de se tratar das artes visuais (pintura, escultura, arquitetura), de uma música, de um espetáculo de teatro, enfim. Do cinema, por exemplo, razão por que tenho me empenhado em escrever tanto sobre filmes, aqui, neste espaço.
Digo isso e me ocorre lembrar de um irmão querido por cujas mãos (ou olhos) fui aprendendo a olhar o cinema de maneira diferente, mais atenta e mais sensível. Tinha por volta dos 12, 13 anos, não muito mais, ou menos. Emídio, é como se chama o irmão, sempre solícito às minhas perguntas tantas, com a paciência e o coração enorme que é mesmo a marca da sua índole, fazia-me ver cada detalhe de um filme, o enquadramento da cena, a expressividade da luz, a forma como a câmera optava pela escala de um plano... a beleza, enfim, do cinema. Vira e mexe, revendo um clássico do western, gênero que nos encantava à época (e me fascina, ainda), sinto saudade do mano Emídio com uma pitada de gratidão cinéfila, que me perdoem o mal jeito da expressão.
Nesses últimos meses, entre um Bergman e um Fellini antigo, tenho me dado ao prazer de rever os faroestes de minha predileção, John Ford à frente, de quem vi, ontem, por exemplo, O homem que matou o facínora, filme de encher os olhos, uma aula -- mesmo! -- de cinema. Sem contar com a irresistível Vera Miles, no elenco.
James Stewart, o ator preferido de Hitchcock, interpreta um advogado "frouxo" e oportunista a quem, equivocadamente, é atribuído o feito heroico de ter matado um fora da lei perigoso e temido, Liberty Valance (Lee Marvin) pelo que é aclamado e, em recompensa, eleito político de sucesso. No final, num lance de roteiro que a sensibilidade fílmica do meu irmão antevira, sabe-se que o tiro fatal partira mesmo da personagem de John Wayne, o verdadeiro herói, que, ironicamente, morre pobre e bêbado. A arte imitando a vida!
Se é verdade que interpretar a arte e desvendar os seus intrincados mistérios pode reduzi-la a um conceito, um tipo de simplificação que não se aconselha, não é menos verdade que se pode ajudar alguém a olhá-la, a penetrar nos espaços sombrios da sua tessitura, a vivê-la, um tanto mudo de beleza, como o menino de Galeano -- com o mar na frente de seus olhos.
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