Leitora, fiel ao blog, pelo que posso ver, reclama pela ausência dos textos "Do amor...", como diz, reportando-se às crônicas reunidas em livro tempos atrás. Confesso que o seu e-mail deixa-me, em princípio, um tanto saudoso de mim mesmo. Sem a inspiração daqueles momentos, quando o coração, por uma e outra razão, cobrava o remoer do tema, deixo o computador por instantes e dirijo-me à TV em que revejo, saudoso, um dos filmes românticos de que mais gosto: Rainha Christina (1933), de Rouben Mamoulian.
Filmaço, desses para se ver e rever muitas vezes. Trata-se de um romance com todos os traços estéticos do gênero -- ênfase nas emoções das personagens, seus dramas mais íntimos, normalmente relacionados à paixão e sofrimentos advindos dela, amores não correspondidos, enfim, filmes pejorativamente rotulados como "filmes de mulher" (adjetivação politicamente incorreta, claro) mas nunca um 'melodrama xaroposo' e desprovido de densidade dramática. Antes pelo contrário: Mamoulian explora um tema histórico caro ao povo sueco do século XVII, quando a rainha que dá nome ao filme, filha de Gustav Adolph, abdica do trono e decide dar outro rumo à vida.
Antes disso, Christina, interpretada com brilhantismo por Greta Garbo, conhece Antônio, embaixador espanhol, vivido na telona por John Gilbert, e passa a dedicar-lhe um sentimento a um tempo racional e insano, que me perdoem o que há de paradoxal na afirmação. O amor é assim.
É que, ainda escondendo-se sob o disfarce, a uma dado altura da história, Christina é condicionada a dividir com Antônio um quarto na única estalagem disponível durante uma noite fria a meio caminho de casa. O que resulta disso, não é necessário dizer.
Sobre a cena do amanhecer, no filme, quando Christina, enquanto afaga a parede do quarto, responde a Antônio, que lhe pergunta o que ela "está fazendo", escrevi em coluna antiga. Relembro o que ela diz: - "Estou querendo guardar os detalhes deste ambiente em que nos amamos!" Revi o filme e retornei ao computador, agora contagiado da bela emoção. Afinal, quem de nós, algum dia, não quis "guardar com detalhes o ambiente em que nos amamos", como faz Christina?
Por trás de situações cômicas, tensas, surpreendentes, num cenário que reedita a história de uma Europa distante, o que o filme de Rouben Mamoulian traz com uma força poucas vezes alcançada no cinema, é o velho e remoído tema do amor, suas dicotomias, em caso algum superadas: alegria/tristeza, contentamento/dor, realização/frustração etc., mas o faz com uma poesia e uma delicadeza que nos enchem a alma, que nos arrebatam do começo ao fim da película.
A cena final, a que já me referi antes, se não me engano, quando Christina alforria o olhar para o sem-fim do oceano (ela se acha no convés de um navio), é de tirar o folego, tragando o espectador com o toque sutil da câmera de Mamoulian, com o requinte da encenação, com a música e a beleza rara da imagem em preto e branco. O olhar perdido de Garbo, dilacerada de dor, pouco depois de se despedir do corpo de Antônio, havia pouco assassinado, reedita a Gioconda de Da Vinci. O amor.
Filmaço, desses para se ver e rever muitas vezes. Trata-se de um romance com todos os traços estéticos do gênero -- ênfase nas emoções das personagens, seus dramas mais íntimos, normalmente relacionados à paixão e sofrimentos advindos dela, amores não correspondidos, enfim, filmes pejorativamente rotulados como "filmes de mulher" (adjetivação politicamente incorreta, claro) mas nunca um 'melodrama xaroposo' e desprovido de densidade dramática. Antes pelo contrário: Mamoulian explora um tema histórico caro ao povo sueco do século XVII, quando a rainha que dá nome ao filme, filha de Gustav Adolph, abdica do trono e decide dar outro rumo à vida.
Antes disso, Christina, interpretada com brilhantismo por Greta Garbo, conhece Antônio, embaixador espanhol, vivido na telona por John Gilbert, e passa a dedicar-lhe um sentimento a um tempo racional e insano, que me perdoem o que há de paradoxal na afirmação. O amor é assim.
É que, ainda escondendo-se sob o disfarce, a uma dado altura da história, Christina é condicionada a dividir com Antônio um quarto na única estalagem disponível durante uma noite fria a meio caminho de casa. O que resulta disso, não é necessário dizer.
Sobre a cena do amanhecer, no filme, quando Christina, enquanto afaga a parede do quarto, responde a Antônio, que lhe pergunta o que ela "está fazendo", escrevi em coluna antiga. Relembro o que ela diz: - "Estou querendo guardar os detalhes deste ambiente em que nos amamos!" Revi o filme e retornei ao computador, agora contagiado da bela emoção. Afinal, quem de nós, algum dia, não quis "guardar com detalhes o ambiente em que nos amamos", como faz Christina?
Por trás de situações cômicas, tensas, surpreendentes, num cenário que reedita a história de uma Europa distante, o que o filme de Rouben Mamoulian traz com uma força poucas vezes alcançada no cinema, é o velho e remoído tema do amor, suas dicotomias, em caso algum superadas: alegria/tristeza, contentamento/dor, realização/frustração etc., mas o faz com uma poesia e uma delicadeza que nos enchem a alma, que nos arrebatam do começo ao fim da película.
A cena final, a que já me referi antes, se não me engano, quando Christina alforria o olhar para o sem-fim do oceano (ela se acha no convés de um navio), é de tirar o folego, tragando o espectador com o toque sutil da câmera de Mamoulian, com o requinte da encenação, com a música e a beleza rara da imagem em preto e branco. O olhar perdido de Garbo, dilacerada de dor, pouco depois de se despedir do corpo de Antônio, havia pouco assassinado, reedita a Gioconda de Da Vinci. O amor.
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