sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O irmão dos amantes

 Amo-te tanto, meu amor... não cante /  O humano coração com mais verdade... /  Amo-te como amigo e como amante /  Numa sempre diversa realidade. // Amo-te afim, de um calmo amor prestante /  E te amo além, presente na saudade /  Amo-te, enfim, com grande liberdade /  Dentro da eternidade e a cada instante. // Amo-te como um bicho, simplesmente /  De um amor sem mistério e sem virtude /  Com um desejo maciço e permanente. // E de te amar assim, muito e amiúde /  É que um dia em teu corpo de repente /  Hei de morrer de amar mais do que pude.
 
O poema acima, todos sabem, é de Vinicius de Moraes, que sábado, 19, faria 100 anos. Problemas da computação, e o texto que escrevera sobre a efeméride não foi publicado neste espaço, pelo que me desculpo. Dizia, pouco mais pouco menos, o que repito agora: - Trata-se do mais injustiçado dos grandes poetas brasileiros, uma vez que a crítica literária, como toda crítica, com raríssimas exceções, mora a meio caminho entre a obtusidade e o preconceito sem nome. Para não falar dos interesses inconfessáveis, claro.
 
Explico-me: parte expressiva dos críticos de literatura do país jamais aceitou, mesmo a muito esforço, que Vinicius de Moraes tenha rompido as fronteiras conservadoras da chamada grande literatura para conquistar as ruas. E, o que talvez pese mais às mentes empedernidas de alguns dos nossos mais renomados estetas, o fato de ter subido aos palcos dos principais teatros e casas de show do Brasil e do mundo, copo de uísque à mão, para "cantar", literalmente, uma das porções mais felizes do cancioneiro brasileiro.
 
Agora, decorrido tanto tempo desde a morte do "poetinha", como era carinhosamente tratado pelos que lhe usufruíram a intimidade, Vinicius de Moraes volta a ter a sua obra examinada por críticos de diferentes extrações, muitos deles, finalmente e de modo pouco sincero, curvados à importância de sua produção como poeta, cronista, teatrólogo e, pasmem, originalíssimo crítico de cinema só conhecido de uma meia dúzia de gatos pintados da cinefilia brasileira. Pena não haver espaço para deitar comentários sobre algumas das mais iluminadas páginas de análise fílmica já produzidas entre nós. Farei isso depois.
 
Pois bem, dizia eu da assinatura autoral de Soneto do amor total, um dos mais perfeitos da lavra desse carioca fenomenal, cujo significado no conjunto da literatura modernista brasileira ainda está por ser estudado com o devido esmero.
 
Muito já se terá escrito sobre as excentricidades do aedo, nada ou muito pouco, no entanto, sobre a qualidade estilística de sua vasta obra, algo que resulte, de fato, da atenção e do rigor analíticos que está a pedir desde a segunda fase de sua produção, quando as inquietações da juventude e o senso incontido do seu erotismo, aliados à dúvida religiosa, levaram-no a escrever poemas pouco exigentes do ponto de vista formal. Daí então, o que se viu foi uma literatura elevada à grandeza de uns poucos em língua portuguesa, em que sobressaem o olhar arguto, a sensibilidade refinada e o trato competente dos mecanismos internos do fazer poético.
 
Enquanto isso, num país em que proliferam os versejadores de botequim, os pretensos transgressores dos meios de expressão acusados de "clássicos", no sentido depreciativo da criação artística, voltemos a ler Vinicius de Moraes, este sedutor de tantos e tantos corações de que se têm valido conquistadores do Brasil  --  e do mundo. Saravá, Vina, irmão de todos os amantes! 
 
 

2 comentários:

  1. Prezado Álder

    Parabéns pela justa homenagem que você presta ao poeta que tanto marcou minha geração. Um forte abraço, continue nos brindando com seus escritos.

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