A frase é de Benjamin Disraele. No contexto do que se convencionou chamar 'tempos modernos', cada vez mais se tornam raridades aqueles que podem de cabeça erguida confessar sua vida. Não tivesse inúmeras outras qualidades, às quais nos reportaremos a seguir, já por essa razão Jorge Gentil Barbosa, o Contador de Histórias, produzido por Elizabeth Fiuza, teria vindo a público gozando do prestígio que dá bem o tamanho do homem biografado, a quem tomo a liberdade de tratar a partir de agora por Jorge, simplesmente.
O livro transita entre a autobiografia, como a rigor se classificam os textos com que o próprio autor (ou autora) registra a trajetória de sua vida, e as formas fronteiriças, a exemplo das memórias, do diário pessoal e das confissões íntimas, todas empenhadas no mesmo objetivo: promover o extravasamento do "eu" literariamente. Decerto, é imprescindível para tanto que a vida do biografado possua a dimensão humana que, para o bem ou para o mal, o tenha destacado dos simples mortais. No caso de Jorge, trata-se de uma vida que se eleva a uma posição respeitável, pela riqueza de sua trajetória e pelas qualidades morais que são mesmo uma marca do seu extraordinário caráter.
Admitindo-a como autobiografia, a obra requer perspectivas de exame ainda mais atentas, uma vez que o ponto de vista é o de Jorge, mas as estratégias narrativas estão submetidas ao rigor da socióloga Elizabeth Fiuza, cujo domínio do gênero vem dando realce ao seu talento como intelectual e como memorialista. Dizer isso, antes de qualquer coisa, é fazer justiça a essa pesquisadora notável, primeiro pelo registro sensível de uma existência por si só digna do reconhecimento escrito, depois por evidenciar com competência que memorizar essa vida, estando ela profundamente ligada à vida de Fortaleza, é dar uma importante contribuição para a preservação de sua própria história enquanto cidade.
Não estamos, assim, diante de uma escritura à maneira ghost-writer, expressão inglesa com que se define o profissional especializado em prestar serviços de redação textual a pessoas que não dispõem de tempo ou não levam jeito para escrever. A autora não se esconde por trás de conveniências, não trabalha no silêncio obsequioso e interesseiro, não se propõe a dizer inviolável o segredo de sua participação na construção da obra. Pelo contrário, por mais que dê voz ao biografado, quase sempre respeitando o seu próprio estilo como narrador, Elizabeth norteia os caminhos, aponta saídas, minimiza alguns acontecimentos em defesa de outros, por certo consciente de que por esquecimento, voluntário ou deliberado, todo e qualquer biografado inconscientemente interfere com o olhar do presente na reconstituição do seu passado.
Em Jorge Gentil Barbosa: o Contador de Histórias, pois, não se depara com o narcisismo gratuito (recorrentes nos relatos em primeira pessoa), nem com o autoelogio esnobe e antipático. Não. O discurso invariavelmente é sincero, ainda que coberto, natural, do verniz do tempo e das circunstâncias hodiernas, na linha do que torna público Elizabeth Fiuza, quando afirma que Jorge, "ao falar de sua infância, de suas muitas memórias e imagens, parece realizar um processo de catarse, de reconhecimento de muitas das aflições vivenciadas e de suas causas."
De fato, os relatos de Jorge trazem dentro de si mais que histórias pessoais individualizadas. Esses relatos parecem romper as fronteiras de sua solidão memorialística para reascender a presença viva dos que participaram de sua existência de forma mais significativa, demorada ou fugidia, mas que ajudaram a construir sua personalidade a um tempo híspida e delicada, prosaica e poética, austera e generosa, mas nunca vocacionada para o anonimato de qualquer espécie.
Na superfície rasa do memorialismo cearense atual, a autobiografia de Jorge Gentil Barbosa, por Elizabeth Fiuza, como um sopro de esperança à beira dos precipícios morais (e humanos) em que estamos, vai ficar, no plano do conteúdo, como um exemplo a ser seguido; no plano da expressão, como uma prova de que se pode fazer com absoluta simplicidade estética uma boa literatura.
O livro transita entre a autobiografia, como a rigor se classificam os textos com que o próprio autor (ou autora) registra a trajetória de sua vida, e as formas fronteiriças, a exemplo das memórias, do diário pessoal e das confissões íntimas, todas empenhadas no mesmo objetivo: promover o extravasamento do "eu" literariamente. Decerto, é imprescindível para tanto que a vida do biografado possua a dimensão humana que, para o bem ou para o mal, o tenha destacado dos simples mortais. No caso de Jorge, trata-se de uma vida que se eleva a uma posição respeitável, pela riqueza de sua trajetória e pelas qualidades morais que são mesmo uma marca do seu extraordinário caráter.
Admitindo-a como autobiografia, a obra requer perspectivas de exame ainda mais atentas, uma vez que o ponto de vista é o de Jorge, mas as estratégias narrativas estão submetidas ao rigor da socióloga Elizabeth Fiuza, cujo domínio do gênero vem dando realce ao seu talento como intelectual e como memorialista. Dizer isso, antes de qualquer coisa, é fazer justiça a essa pesquisadora notável, primeiro pelo registro sensível de uma existência por si só digna do reconhecimento escrito, depois por evidenciar com competência que memorizar essa vida, estando ela profundamente ligada à vida de Fortaleza, é dar uma importante contribuição para a preservação de sua própria história enquanto cidade.
Não estamos, assim, diante de uma escritura à maneira ghost-writer, expressão inglesa com que se define o profissional especializado em prestar serviços de redação textual a pessoas que não dispõem de tempo ou não levam jeito para escrever. A autora não se esconde por trás de conveniências, não trabalha no silêncio obsequioso e interesseiro, não se propõe a dizer inviolável o segredo de sua participação na construção da obra. Pelo contrário, por mais que dê voz ao biografado, quase sempre respeitando o seu próprio estilo como narrador, Elizabeth norteia os caminhos, aponta saídas, minimiza alguns acontecimentos em defesa de outros, por certo consciente de que por esquecimento, voluntário ou deliberado, todo e qualquer biografado inconscientemente interfere com o olhar do presente na reconstituição do seu passado.
Em Jorge Gentil Barbosa: o Contador de Histórias, pois, não se depara com o narcisismo gratuito (recorrentes nos relatos em primeira pessoa), nem com o autoelogio esnobe e antipático. Não. O discurso invariavelmente é sincero, ainda que coberto, natural, do verniz do tempo e das circunstâncias hodiernas, na linha do que torna público Elizabeth Fiuza, quando afirma que Jorge, "ao falar de sua infância, de suas muitas memórias e imagens, parece realizar um processo de catarse, de reconhecimento de muitas das aflições vivenciadas e de suas causas."
De fato, os relatos de Jorge trazem dentro de si mais que histórias pessoais individualizadas. Esses relatos parecem romper as fronteiras de sua solidão memorialística para reascender a presença viva dos que participaram de sua existência de forma mais significativa, demorada ou fugidia, mas que ajudaram a construir sua personalidade a um tempo híspida e delicada, prosaica e poética, austera e generosa, mas nunca vocacionada para o anonimato de qualquer espécie.
Na superfície rasa do memorialismo cearense atual, a autobiografia de Jorge Gentil Barbosa, por Elizabeth Fiuza, como um sopro de esperança à beira dos precipícios morais (e humanos) em que estamos, vai ficar, no plano do conteúdo, como um exemplo a ser seguido; no plano da expressão, como uma prova de que se pode fazer com absoluta simplicidade estética uma boa literatura.