Amiga telefona-me: "Foi ver a exposição do Leminski?". Refere-se à mostra 'vida e obra de Paulo Leminski', no Centro Cultural da Caixa Econômica, em Fortaleza. Como estivesse "por aqui" de compromissos, fui à noite e deparei com portas cerradas às 20h. Coisas da província.
Chego em casa e remexo a estante à procura de obra do curitibano, que há muito não visito. Na fila de fundo, levemente coberto de pó, deparo com Os melhores poemas de Leminski, e entro pela noite envolto na sua poesia feita de rigor e emoção. Do amor perdido, vem o soluço: "Um passarinho / volta pra árvore / que não mais existe // meu pensamento / voa até você / só pra ficar triste".
Na trilha aberta por Oswald de Andrade, Leminski surgiu na década de 70 como um milagre na literatura brasileira. Trata-se de uma poesia o mais das vezes breve, jamais pequena, feita de dualidades que antes a enobrecem que vulgarizam, suficientemente bem construída para tornar possível o diálogo do clássico com o pop, de aliar a inflexão formal com o desleixo aparente no trato de questões eternas. Por isso, reler Leminski, ainda hoje, é beber no frescor de uma arte sinfrônica, dentro de cuja força lírica explodem a surpresa e o espanto.
Há em cada texto uma pegada original e sensível, o feeling que distingue, mais na atmosfera que na forma, a poesia da prosa, o legítimo do falso poeta. Atento ao pulsar da vida, que oscila entre o sagrado e o profano, que salta do prosaico ao mais nobre movimento da alma humana, na celeridade de um instante, seu olhar como que se projeta no vazio entre "o sopro e o apagar da vela", como quando se debruça sobre as travessuras do tempo.
Como em ato visionário, o eu-lírico revela-se consciente da fugacidade da vida: "Ainda vão me matar numa rua. / Quando descobrirem, principalmente, / que faço parte dessa gente / que pensa que a rua / é a parte principal da cidade." Se não morreu de morte matada, como diria Guimarães Rosa, Leminski morreria de morte natural em 1989, a poucos meses de completar 45 anos. Não sem antes percorrer, poeta maldito, o tortuoso caminho (da existência humana!) como um bêbado o traçado das ruas durante a madrugada. Se não se crê nos caminhos, como chega a desconfiar, eles existem: "Yo no creo en caminos, / pero que los hay, / hay."
Não à toa Paulo Leminski ombreia com os gigantes de sua geração, a exemplo de Caetano Veloso, que diria dele em texto de apresentação da primeira edição de Caprichos e relaxos, 1983, com palavras simples: "Deve ser instigante para os poetas do Brasil o aparecimento desses novos poetas todos. Leminski é um dos mais incríveis que apareceram."
Por essas e tantas outras, é que a exposição do Centro Cultural da Caixa, sobre Paulo Leminski, vem em boa hora, para tornar conhecida entre os cearenses a obra de um escritor tão versátil mas pouco divulgado junto ao grande público. Amor, angústia, utopias, inconformismo, amizade, perda, sonho, quase nada passa ao largo do olhar poético desse artista múltiplo. No mesmo nível de sua produção em versos, lembremos, encontra-se quase tudo que nos deixou em romance, contos e crônicas. Para não falar do letrista, que povoou de lirismo refinado a música popular brasileira do seu tempo. Morreu precocemente, mas teve em vida a sensibilidade de um velho, "para descobrir, detrás de uma pedra, toda a primavera".
Chego em casa e remexo a estante à procura de obra do curitibano, que há muito não visito. Na fila de fundo, levemente coberto de pó, deparo com Os melhores poemas de Leminski, e entro pela noite envolto na sua poesia feita de rigor e emoção. Do amor perdido, vem o soluço: "Um passarinho / volta pra árvore / que não mais existe // meu pensamento / voa até você / só pra ficar triste".
Na trilha aberta por Oswald de Andrade, Leminski surgiu na década de 70 como um milagre na literatura brasileira. Trata-se de uma poesia o mais das vezes breve, jamais pequena, feita de dualidades que antes a enobrecem que vulgarizam, suficientemente bem construída para tornar possível o diálogo do clássico com o pop, de aliar a inflexão formal com o desleixo aparente no trato de questões eternas. Por isso, reler Leminski, ainda hoje, é beber no frescor de uma arte sinfrônica, dentro de cuja força lírica explodem a surpresa e o espanto.
Há em cada texto uma pegada original e sensível, o feeling que distingue, mais na atmosfera que na forma, a poesia da prosa, o legítimo do falso poeta. Atento ao pulsar da vida, que oscila entre o sagrado e o profano, que salta do prosaico ao mais nobre movimento da alma humana, na celeridade de um instante, seu olhar como que se projeta no vazio entre "o sopro e o apagar da vela", como quando se debruça sobre as travessuras do tempo.
Como em ato visionário, o eu-lírico revela-se consciente da fugacidade da vida: "Ainda vão me matar numa rua. / Quando descobrirem, principalmente, / que faço parte dessa gente / que pensa que a rua / é a parte principal da cidade." Se não morreu de morte matada, como diria Guimarães Rosa, Leminski morreria de morte natural em 1989, a poucos meses de completar 45 anos. Não sem antes percorrer, poeta maldito, o tortuoso caminho (da existência humana!) como um bêbado o traçado das ruas durante a madrugada. Se não se crê nos caminhos, como chega a desconfiar, eles existem: "Yo no creo en caminos, / pero que los hay, / hay."
Não à toa Paulo Leminski ombreia com os gigantes de sua geração, a exemplo de Caetano Veloso, que diria dele em texto de apresentação da primeira edição de Caprichos e relaxos, 1983, com palavras simples: "Deve ser instigante para os poetas do Brasil o aparecimento desses novos poetas todos. Leminski é um dos mais incríveis que apareceram."
Por essas e tantas outras, é que a exposição do Centro Cultural da Caixa, sobre Paulo Leminski, vem em boa hora, para tornar conhecida entre os cearenses a obra de um escritor tão versátil mas pouco divulgado junto ao grande público. Amor, angústia, utopias, inconformismo, amizade, perda, sonho, quase nada passa ao largo do olhar poético desse artista múltiplo. No mesmo nível de sua produção em versos, lembremos, encontra-se quase tudo que nos deixou em romance, contos e crônicas. Para não falar do letrista, que povoou de lirismo refinado a música popular brasileira do seu tempo. Morreu precocemente, mas teve em vida a sensibilidade de um velho, "para descobrir, detrás de uma pedra, toda a primavera".