- "O Ministério Público Federal requereu ontem ao juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, que ordene novo interrogatório do delator Fernando Moura [...]. A Procuradoria alega 'flagrante contradição' no depoimento que ele prestou na sexta-feira em relação a um trecho de sua colaboração premiada, firmada em agosto do ano passado".
(O Estado de S. Paulo, 29.01.2016)
Tenho por princípio intelectual não emitir opinião sobre aquilo que desconheço. Não sou advogado e não me atrevo a interpretar leis ao sabor do "achismo", que tanto condeno. Mas, como todo cidadão, procuro compreender a lógica das situações que dizem respeito aos homens, mesmo quando envolvem aspectos legais.
Por isso entendo que é legal, por exemplo, a delação premiada de que se enchem as páginas dos principais jornais do país em tempos do que se convencionou chamar de operação Lava Jato. Não se trata, pois, de ignorar que sua prática é legítima, porque amparada em lei. Uma coisa, no entanto, é reconhecer a sua legitimidade, outra é assumir uma posição crítica em face do que a lei estabelece. No caso específico, tenho um juízo pessoal formado.
Para mim a "delação premiada" constitui um desserviço do ponto de vista moral. E legal, no que traz em seus desdobramentos. Deseduca, fomenta uma atitude covarde na sua essência.
Nunca, em nenhum caso, ouso acreditar, adjetivos como "autêntico", "justificado", "lídimo", "válido" me parecem tão fora de lugar. Atentem para o fato de que não me refiro à denúncia, ao ato verbal ou escrito pelo qual uma pessoa leva à autoridade competente e/ou ao conhecimento da sociedade um fato que se contrapõe à lei, à ordem pública ou a qualquer dispositivo legal que qualifique tal fato como um crime suscetível de punição.
Refiro-me ao ato (ou efeito) de delatar, de denunciar responsabilidade de alguém a troco de vantagens pessoais, a exemplo do que ocorre no famigerado processo. Para não falar que tais depoimentos, mesmo legais, no meu humilde entendimento, deveriam ser mantidos em sigilo até à condenação dos envolvidos, sob pena de que sejam irreversíveis os prejuízos contra as pessoas acusadas, mesmo quando, mais tarde, oficialmente, vierem a ser inocentadas.
Não é o que se vê no Brasil, onde a famosa máxima levianamente aparece invertida: "Culpado, até que se prove em contrário".
O vazamento seletivo dessas delações, divulgadas a exaustão através da imprensa, parecem-me ir de encontro ao que, lei por lei, está fixado na maior delas, a Constituição de 1988, no seu artigo 5, inciso LVII: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Mais grave, ainda, é que a tal "delação premiada" é levada a efeito, na perspectiva do delator, em clima de tensão psicológica que tem seu equivalente em práticas de tortura medievais. Nascem, pois, de instabilidades emocionais (ou morais) que constituem antes de tudo uma agressão ao direito de defesa dos acusados.
Cresci ouvindo do meu pai que a prática da injustiça é o maior dos pecados. Jamais buscou com um dos filhos esclarecimentos que pudessem justificar a punição de outro. Palavra dita é flecha solta. Há males que não podem ser remediados.