O cinema perdeu ontem um dos seus maiores nomes. Morreu, em Roma, Ettore Scola, diretor de filmes memoráveis, a exemplo de Nós que nos amávamos tanto (1974) e Splendor (1984), belíssima declaração de amor à sétima arte.
Não era, nunca se propôs a ser, um realizador afeito às transgressões estéticas. Pelo contrário, pertencia a uma linhagem de cineastas obedientes à gramática cinematográfica, aquela que lança mão dos procedimentos narrativos ditos convencionais: seus filmes sobressaiam pelo uso criterioso de estratégias clássicas, apenas vez e outra exploradas em suas possibilidades mais inventivas. Dito assim, é possível que o leitor menos familiarizado com os recursos da linguagem cinematográfica conclua tratar-se de um realizador sem maiores méritos. Ledo engano. Scola constitui um exemplo do perfeito entrosamento entre as diferentes semioses que estão por trás de um grande filme. A câmera era precisa, movimentada com uma suavidade e senso plástico notáveis; a escala de planos (a forma como delimitava a imagem), a montagem precisa, racional, e o roteiro, invariavelmente bem escrito e carregado de poesia, faziam de suas películas verdadeiras obras de arte.
Começou realizando comédias, de cuja tendência merece destaque o filme de estreia, Fala-me de mulheres (1964). Viriam outras, em que atuaram atores maravilhosos, Vittorio Gassman, Nino Manfredi e Marcelo Mastroianni, por exemplo. Aos poucos, no entanto, Scola enveredava por outros gêneros, pontuando sempre sua filmografia com um rigoroso sentido político. Era de esquerda e jamais se omitiu a discutir os graves problemas de sua gente, a Itália pós-guerra de tanto sofrimento e dor.
Nunca escondeu suas influências, Vittorio De Sica (Ladrões de bicicleta) e Federico Fellini (A Doce Vida), sobretudo, aos quais atribui muito de sua perfeita compreensão do que é o verdadeiro cinema. É sobre este, por sinal, que realizou o seu último filme, Que estranho chamar-se Federico (2013), um retrato poético do autor de Amarcord (1973), do qual preservou a terna abordagem do passado histórico, um tipo de memorialismo que redunda em citações recorrentes dos grandes filmes de Fellini.
A cena em que os dois cineastas conversam numa rua de Roma é emblemática. Fellini olha para o lado e vê um casal se beijando, mas Scola vê apenas um homem passando. Um crítico brasileiro fez dela uma interpretação notável: Fellini era mais sonhador, mais fantasioso. Ettore Scola mais realistas, mais atento à realidade da vida.
Mas é mesmo com Splendor, mencionado acima, que Ettore Scola materializa a sua paixão pelo cinema de forma mais explícita. Splendor é o nome de uma antiga sala de cinema de propriedade de Jordan (Marcello Mastroianni), negócio em franca decadência, numa visada sentimental que se imortalizaria em outro filme italiano do mesmo ano, 1984, Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. A sequência final do filme é de tirar o folego, mas fica como sugestão para os que não o viram ainda.
O cinema perde muito do seu encanto sem Ettore Scola.
Não era, nunca se propôs a ser, um realizador afeito às transgressões estéticas. Pelo contrário, pertencia a uma linhagem de cineastas obedientes à gramática cinematográfica, aquela que lança mão dos procedimentos narrativos ditos convencionais: seus filmes sobressaiam pelo uso criterioso de estratégias clássicas, apenas vez e outra exploradas em suas possibilidades mais inventivas. Dito assim, é possível que o leitor menos familiarizado com os recursos da linguagem cinematográfica conclua tratar-se de um realizador sem maiores méritos. Ledo engano. Scola constitui um exemplo do perfeito entrosamento entre as diferentes semioses que estão por trás de um grande filme. A câmera era precisa, movimentada com uma suavidade e senso plástico notáveis; a escala de planos (a forma como delimitava a imagem), a montagem precisa, racional, e o roteiro, invariavelmente bem escrito e carregado de poesia, faziam de suas películas verdadeiras obras de arte.
Começou realizando comédias, de cuja tendência merece destaque o filme de estreia, Fala-me de mulheres (1964). Viriam outras, em que atuaram atores maravilhosos, Vittorio Gassman, Nino Manfredi e Marcelo Mastroianni, por exemplo. Aos poucos, no entanto, Scola enveredava por outros gêneros, pontuando sempre sua filmografia com um rigoroso sentido político. Era de esquerda e jamais se omitiu a discutir os graves problemas de sua gente, a Itália pós-guerra de tanto sofrimento e dor.
Nunca escondeu suas influências, Vittorio De Sica (Ladrões de bicicleta) e Federico Fellini (A Doce Vida), sobretudo, aos quais atribui muito de sua perfeita compreensão do que é o verdadeiro cinema. É sobre este, por sinal, que realizou o seu último filme, Que estranho chamar-se Federico (2013), um retrato poético do autor de Amarcord (1973), do qual preservou a terna abordagem do passado histórico, um tipo de memorialismo que redunda em citações recorrentes dos grandes filmes de Fellini.
A cena em que os dois cineastas conversam numa rua de Roma é emblemática. Fellini olha para o lado e vê um casal se beijando, mas Scola vê apenas um homem passando. Um crítico brasileiro fez dela uma interpretação notável: Fellini era mais sonhador, mais fantasioso. Ettore Scola mais realistas, mais atento à realidade da vida.
Mas é mesmo com Splendor, mencionado acima, que Ettore Scola materializa a sua paixão pelo cinema de forma mais explícita. Splendor é o nome de uma antiga sala de cinema de propriedade de Jordan (Marcello Mastroianni), negócio em franca decadência, numa visada sentimental que se imortalizaria em outro filme italiano do mesmo ano, 1984, Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. A sequência final do filme é de tirar o folego, mas fica como sugestão para os que não o viram ainda.
O cinema perde muito do seu encanto sem Ettore Scola.
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