quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Arte, artistas e jornalismo marrom

No terreno da estética, campo do conhecimento que se debruça sobre a arte e os muitos conceitos que lhe dizem respeito (o belo, o sentido, a representação etc.), é consensual, hoje, a constatação de que se origina na percepção da Natureza, em sua fascinante riqueza de cores, formas e sons, a necessidade do homem expressar sua admiração, seus sentimentos e suas emoções diante da beleza de todas as coisas e todos os fenômenos ditos naturais. A estética, todavia, ampliou suas fronteiras de ação ao longo do tempo, valendo-se, cada vez mais, das contribuições da filosofia analítica, da semiótica, da psicanálise e de outras ciências humanas para entender o que leva o homem a produzir o que chamamos de "arte" e para identificar suas funções no mundo em que vive.

Fala-se, assim, da existência de muitas funções, na contramão do que professa a, já há muito superada, teoria da "arte pela arte", segundo a qual a arte basta-se a si própria, pelo que é capaz de desencadear na experiência da recepção, esse sortilégio que toma conta de nós diante de uma tela, no museu; ao escutar uma música, num concerto ou num show; quando assistimos a um filme ou deparamos com a imponência de um edifício, um monumento, na harmonia e no ritmo de uma escultura; quando lemos um romance ou um poema, por exemplo. Para além disso, sabe-se, o que já seria bastante para justificar a admiração que se deve dispensar àqueles que se dedicam à criação artística, seja ela qual for, a arte é muito mais que essa força a que nos entregamos no que se convencionou definir como experiência estética, de que resulta a emoção que a um tempo nos seduz e faz vibrar.

A arte é entretenimento, pois que ela diverte, aliviando a dor e libertando o homem dos monstros interiores que o atormentam, no que se faz, passos adiante, instrumento da catarse mais profunda; a arte é capaz de romper os limites do tempo e do espaço geográfico, eternizando-se e ao seu criador; a arte repercute sentidos independentemente das raças e das crenças, ressignificando-se e atualizando-se através dos tempos.

Mais que qualquer outra realização humana pacífica, no entanto, a arte e seus criadores podem libertar, apontar caminhos e alternativas de ação; a arte vai além, e adquire, não raro, uma função pragmática, transmitindo por sua força de sedução ideias e conteúdos os mais inimagináveis; mas a arte é, na potência de sua dignidade e dos que a ela se dedicam, mais que tudo isso: a arte é um instrumento poderoso de denúncia do lado torto da existência, das práticas condenáveis dos empoderados e dos que a esses se acercam, covardemente, para proveito próprio.

É nessa perspectiva, pois, que ganha repercussão mundial o pronunciamento da atriz Meryl Streep por ocasião da entrega do Globo de Ouro, em Los Angeles, nessa segunda-feira 9, contra o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e suas ameaças fascistas contra imigrantes.

O fato, que mereceu tratamento minucioso do Jornal Nacional, da rede Globo, de certo modo e em certa proporção, reedita a manifestação da equipe do filme brasileiro Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, em Cannes, o mais prestigiado festival de cinema do mundo, contra o golpe liderado pelo conluio empresários/imprensa/judiciário/políticos de direita, no Brasil. Esse fato, por razões conhecidas, resumiu-se, na noite de 17 de maio, a uma cobertura de inexpressivos 30 segundos. Não à toa, a credibilidade do jornalismo da mais importante televisão brasileira, dia a dia, despenca. Como disse Maurício Stycer, em seu blog, Temer não é Trump, mas é desproporcional o espaço dado aos dois eventos.

 

 

 

 

 

 

 

 

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