Para quem levantava dúvidas sobre a arrancada do cinema brasileiro contemporâneo, a programação do Festival de Cinema de Berlim, a prestigiadíssima mostra que teve início em 9 de fevereiro, na cidade alemã, aponta como a prova definitiva de que vivemos um momento marcante da produção nacional. Nada mais nada menos que 12 filmes brasileiros participam da importante competição, entre longas e curtas-metragens -- nove longas e três curtas-metragens, para ser mais preciso.
Em termos quantitativos, nunca, em tempo algum, o cinema nacional ocupou posição de tanto realce. A relação dos doze filmes brasileiros é encabeçada pelo longa Joaquim, dirigido pelo cineasta pernambucano Marcelo Gomes. Trata-se de uma cinebiografia de Tiradentes, o herói inconfidente, e que, segundo Gomes, reflete uma tendência da produção cinematográfica atual no Brasil: "Quando se vai a um psicanalista resolver um problema, diz ele, começamos tentando desvendar o passado". Entenda-se por "problema", no caso, a crise moral e política que ataca as raízes institucionais brasileiras hoje.
O viés político do filme, segundo o diretor pernambucano, evidencia-se na discussão que se estabelece em Minas Gerais em fins do século XVIII, em que "a riqueza já estava sendo concentrada numa elite ligada à terra, enquanto que a população mista estava alijada disso". Simplificação à parte, quem pode escutar a entrevista concedida ontem pelo diretor (e reproduzida por diferentes meios de comunicação, a exemplo da Folha de S. Paulo) haverá de concluir: o cinema brasileiro, na linha do que fez Anna Muylaerte e o seu imperdível Que Horas Ela Volta (2016), nunca esteve tão atento às contradições sociais do país e a premência de um debate em torno de suas raízes seculares.
A propósito, após a exibição de seu filme Joaquim, Marcelo Gomes leu um manifesto contra o governo Temer. No documento, o realizador pernambucano afirma: "Estamos vivendo uma grave crise democrática no Brasil. Em quase um ano sob esse governo ilegítimo, direitos da educação, saúde e trabalhistas foram duramente atingidos. Juntos com todos os outros setores, o audiovisual brasileiro, especialmente o autoral, corre risco de acabar".
As afirmações de Marcelo Gomes constituem indício de que não se precipita quem espera a ocorrência de outros atos de protesto durante a semana, numa reedição previsível do que fez o elenco do filme Aquarius, em Cannes, no auge do golpe que levou Michel Temer à presidência do Brasil. A propósito, Davi Pretto, o diretor de Rifle, outro filme brasileiro aguardado com entusiasmo nessa edição do Festival de Berlim, foi assumidamente responsável pelo coro de "Fora Temer", em setembro, por ocasião do Festival de Brasília.
Afora o espírito político que parece tomar conta do festival, o longa Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky, destaca-se, segundo a crítica, como um dos grandes trabalhos do cinema brasileiro contemporâneo. Curioso observar, por oportuno, que dos 12 participantes brasileiros, metade traz a assinatura de mulheres. Para Bodanzky, "... a força vem até pelo fato de esse ser um discurso novo e o festival estar aberto a tudo".
Além de Joaquim e Como Nossos Pais, participaram do Festival de Berlim No Intenso Agora, de João Moreira Salles; Não Devore Meu Coração, de Felipe Bragança; Vazante, de Daniela Thomas; Rifle, de Davi Preto; Mulher do Pai, de Cristiane Oliveira; Pendular, de Julia Murat; As Duas Irenes, de Fabio Meira; Em Busca da Terra Sem Males, de Anna Azevedo e Vênus Filó, a Fadinha Lésbica, de Sávio Leite.
Nenhum comentário:
Postar um comentário