terça-feira, 12 de setembro de 2017

Como Nossos Pais

Em entrevista a importante jornal do Rio de Janeiro, o cineasta Ruy Guerra fez a seguinte declaração:  --- "O cinema brasileiro, hoje, é muito melhor que o cinema americano". Polêmica à parte, o fato é que a produção cinematográfica nacional vem apresentando um nível de qualidade estética que insere o Brasil no contexto do grande cinema. É ter olhos para enxergar.

Na esteira de alguns filmes excelentes, entre janeiro e setembro, muitos dos quais foram objeto de comentários neste espaço, está em cartaz Como Nossos Pais, de Laís Bodanzky, que vi ontem num shopping da cidade. Para os que não lembram, trata-se da diretora de Bicho de 7 Cabeças e As Melhores Coisas do Mundo, cujo estilo vem se notabilizando pela simplicidade na construção da narrativa fílmica, o que, é preciso evidenciar, antes se deve ao pleno domínio da linguagem do cinema que a qualquer tipo de limitação técnica.

É que Bodanzky fez opção pelo uso de uma técnica cinematográfica despojada, pelo registro naturalista da câmera na mão e uma mise en scène pontuada por planos de conjunto notavelmente enquadrados, sem esquecer os closes ups que lembram craques da envergadura de Ingmar Bergman, tão expressivos são na revelação do conflito da personagem. Some-se a isso os insistentes "planos mortos", ou seja, quadros sem personagens que parecem nada acrescentar à narrativa, mas são utilizados por Laís Bodanzky como elementos de linguagem, verdadeiras naturezas-mortas carregadas de sentido: o cigarro queimando no cinzeiro, o leite fervendo que transborda a panela e escorre sobre o fogão, o quarto em desordem etc., são tropos que pontuam o ritmo da narrativa com sugestões poéticas extremamente felizes.

Mas, afinal, de que trata Como Nossos Pais, qual o fio condutor de sua trama? É sugestivo observar que o título do filme está intimamente ligado ao que tematiza o clássico de Belchior, ou seja, o conflito de gerações. Nesse sentido, todavia, o filme vai além, pois que Bodanzky mergulha no âmago das relações familiares e, mesmo, na discussão do papel da mulher centralizadora, exemplarmente explorado na personagem de Clarisse Abujamra, a chefe do clã, numa interpretação notável, diga-se em tempo.

O filme, no entanto, tem um alcance de conteúdo que extrapola o que se poderia identificar como esteio central. O conflito de Rosa (Maria Ribeiro) no casamento, a sua indiferença pelo sexo, a insatisfação com seu trabalho e a crise de identidade quando descobre, durante um almoço em família, que não é filha do homem que a criou, sobressaem ao longo da história com uma força dramática digna dos grandes mestres do cinema cult.

Sob este aspecto, por sinal, merece Laís Bodanzky mais um registro de entusiasmo com o seu último filme. É que deparamos aqui com uma diretora absolutamente destemida no trato de questões que se colocam na contramão do politicamente correto, este que é um dos principais males da atualidade. 

Rosa vai aos pouco rompendo com as amarras, desfazendo os laços que a prendem a uma relação morna e sem novidades. Desperta para a necessidade de se reconstruir como mulher, de buscar caminhos que a conduzam ao reencontro consigo mesma, mesmo ao preço de entregar-se a uma aventura cujas consequências pudessem ser, para todos, devastadoras.

A sequência em que, durante uma viagem profissional, decide entregar-se a outro homem é um momento soberbo do filme, esteticamente falando, em que pese o lugar-comum da cena (dispensável!) em que os dois caminham na praia, à noite. 

A câmera descreve o encontro, poetiza o desenvolvimento da ação, acompanha o casal até a entrada do quarto do hotel em que estão hospedados, mostra corpos nus, dorsos, braços e pernas, mas a montagem narrativa, de Rodrigo Menecucci, surpreende-nos num outro tempo e num outro espaço diegético: Rosa atinge o clímax, mas o homem com que o espectador depara no quadro, em primeiro plano, surpreende. Rosa faz amor, agora, com o marido.

Rosa, que, nas sequências iniciais, dá-se a ver como uma mulher frágil e impotente em face dos muitos conflitos que a afligem, revela-se uma mulher decidida, forte, e maior que a figura materna, que a própria realidade a que todos, de alguma forma, parecemos estar condenados: viver como nosso pais.

Que mais se pode querer de um filme, para além de que conte uma boa história, que o faça com certa originalidade, simplicidade, elegância... e que seja belo? Como Nossos Pais, roteiro e direção de Laís Bodanzky, com Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena e Jorge Mautner nos papeis principais, vai além disso: ele nos faz pensar  ---  E como!

 

  

 

 

 

    

 

  

 

 

 

 

 


 

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