quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Provocação de aluno

A propósito da polêmica que tomou conta das redes sociais, acerca da exposição de artes visuais no Centro Cultural do Santander, em Porto Alegre, ex-aluno, através do WhatsApp, trava comigo o diálogo que, autorizado por ele, tomo a iniciativa de publicar sem qualquer alteração. Trata-se, pois, de um texto produzido no calor de uma conversa informal sobre Arte.

--- Como professor de disciplinas ligadas à Arte, qual a sua opinião sobre a polêmica exposição do Santander em Porto Alegre?

     O primeiro problema da Arte é o que diz respeito à própria Arte: sua natureza, seus limites, sua função etc. Nesse sentido, impossível prescindir do conhecimento acadêmico que possibilita ao homem compreender a complexidade do fazer artístico, por mais simples que pareça tomar de um pincel para pintar ou de uma caneta para escrever algo que se possa apreciar como arte pictórica ou literária, por exemplo, pois que isso envolve responsabilidade autoral e plena consciência do que resultará da minha ação como artista. 

--- Como assim?

Sou daqueles que ainda defendem que a Arte tem uma função na sociedade, ou funções, para ser mais abrangente em relação às forças que um obra de arte é capaz de operar em face da existência humana.

--- Visão romântica, professor?

Dê a isso o nome que lhe convier, mas a Arte é muito mais que entretenimento, embora a função lúdica lhe seja inerente. A Arte existe, entre outras coisas, para tornar a vida mais bela ou, quando menos, mais suportável para aqueles que sofrem num mundo de contradições e injustiças. Noutra perspectiva, há que ser bela, só isso: bela. Lembre-se, aqui, das nossas aulas de Estética. Não estou me referindo a Arte "feia" no sentido de mal realizada, desprovida dos elementos formais que a definem como obra surgida do espírito inventivo do homem, mesmo quando movida pela intenção de deformar a realidade a fim de intensificá-la. O belo a que me refiro pode perfeitamente nascer daquilo que, na Natureza, rompe com a noção estreita do necessariamente harmonioso e proporcionalmente equilibrado de que nos falou Aristóteles. No campo da criação artística a beleza é, não raramente, a representação do feio natural. O que pude ver da exposição, mesmo nos limites do que foi divulgado através da imprensa e da internet, e que é muito pouco eu sei, para fazer um juízo fundamentado, passa ao largo do que me parece ser a razão da arte, embora a minha opinião possa parecer contraditória para aqueles que, como você, acompanharam a minha trajetória como professor de Arte ou, mesmo, como o homem de teatro que fui por muitos anos. Refiro-me a ter sido sempre contrário a qualquer tipo de censura, e, agora, emitir publicamente uma posição reativa a um tipo de arte, a exemplo de alguma porção do que foi exposto por uns poucos dias em Porto Alegre. Mesmo o artista mais transgressor, mais assumidamente agressivo e desmistificador, não pode perder de vista que tem um papel a cumprir, no sentido de contribuir com o seu fazer para o aperfeiçoamento do homem e, por consequência, da própria vida. Não encontro, ali, com exceção de alguns trabalhos já conhecidos de há muito tempo, Adriana Varejão e Lygia Clark, por exemplo, nada que se justifique como benéfico para a condição humana, mesmo promover a libertação das pessoas em face dos conflitos sexuais ou das decepções religiosas, como quis Tolstói, para citar a visão polêmica de um grande artista. Se se trata de artistas talentosos, como se quis professar na imprensa, mesmo intelectuais de prestígio, como Hélio Schwartsman, em artigo recente na Folha de S. Paulo, edição de quarta-feira 13, se não me engano, ainda mais não é saudável a banalização de qualquer conteúdo, pois não existe forma esvaziada de significado.

--- Mas, não defendeu sempre que a arte é antes de tudo forma?

     Forma, bem sei, mas há que guardar, por menos que seja, uma relação positiva de sua estrutura, que é o mais importante, com a realidade. Não vejo, nos exemplos a que estou aludindo e numa visão rápida, se não negatividade, revolta pela revolta, deformação sem propósito que a justifique. Escandalizar, apenas, não diz do talento de nenhum artista.

--- Então, não é arte aquilo?

     Sim, claro que é, pelas razões que já expus. O que você me pede, ao que pude concluir, no entanto, é uma opinião sobre a qualidade dessa arte e o fato de ter espaço num evento de importância, como este a que estamos nos referindo. Sendo mais claro, não me parece boa nem mesmo do ponto de vista meramente formal. Tem perfumes de arte naïf , por mais que não seja relevante categorizá-la ou rotulá-la, mas se revela desprovida da ingenuidade desta arte, de sua espontaneidade, de sua singeleza. Se é outra a influência, o esteio que a sustenta, o que é natural, falta-lhe, então, o domínio dos procedimentos técnicos da arte "erudita", que me desculpe a infelicidade do termo que me ocorreu agora. Não esqueça que toda arte nasce de uma intencionalidade, de um ato deliberado... Mas, isso só, não a justifica.

--- Talvez por que não é obra do cânone, professor, um Bosch talvez...

     Sejamos razoáveis... Não há parâmetros artísticos, nisso, que lhe permitam essa referência! Não foi para isso que me dediquei a estudar tanto (com) e junto a vocês! Não estou falando de artistas do cânone, mas, sim, de nomes da nossa melhor arte contemporânea, a um Waltercio Caldas, Tunga, Cildo Meirelles, Beatriz Milhazes ou, já que as citamos, Adriana Varejão e Lygia Clark. É uma viagem pensar que esses artistas ignoram a grande arte. Varejão, por exemplo, tem suas bases estéticas apoiadas na arte barroca, e, no entanto, realiza o que existe de mais representativo do que se convencionou chamar de arte contemporânea, a exemplo de Antônio Dias, Artur Barrio e Hélio Oiticica.

--- Quanto à censura...

Você sabe o que penso, como me coloquei sempre contra qualquer tipo de censura...      

--- Professor, obrigado pela aula. Estava com saudade...

Rsrsrsrs  

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

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