sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Cesar Fiuza em nova linguagem

O filósofo lituano Emmanuel Levinas, no livro O Tempo e o Outro, chama de "Rosto" o lugar onde tomamos conhecimento do "Infinito" do Outro. Anita Prado Koneski, por sua vez, conclama-nos a acolher a obra de arte como esse "Rosto" que nos possibilita ter acesso a esse "Infinito", para o qual todas as palavras são incapazes de comunicar.

Muitas vezes, como é o caso a que me referirei neste artigo, essa incapacidade ganha o estatuto de referência, pois que decorre de complicações no centro articulador da linguagem verbal. Sem delongas: tomo como objeto de exame a obra pictórica de Cesar Fiuza, ainda que incipiente, mas significativa ao ponto de justificar, com imenso mérito para o artista, a exposição que vem realizando entre 6 e 12 do corrente, em Fortaleza.

Como na afirmação notável de Koneski, esse "Outro quando nos fala, fala da infinita distância que nos separa [...] "é um discurso com Deus e não com iguais. No Rosto está o vestígio do inominável, do errante, daquele estrangeiro que está sempre em êxodo. O Rosto é principalmente a expressão do diferente."

Esse "infinito" ou "diferente" a que se refere a ensaísta, ecoando as palavras de Emmanuel Levinas, só mesmo a arte é capaz de comunicar, a exemplo do que fez Michelangelo (a propósito da dor intransferível da mãe que perde um filho) na Pietà.

Drummond, também ele um grande artista, foi além em torno da incomunicabilidade do sofrimento de Maria tendo no colo o filho sem vida, cena imortalizada na escultura do renascentista italiano: "Dor é incomunicável./O mármore comunica-se,/acusa-nos a todos."

Cesar Fiuza, cujas realizações como arquiteto povoam de graça, estilo e sedutora beleza diferentes pontos da cidade, acertado duramente por um acidente vascular cerebral há coisa de dois anos, não se curvou às sequelas que advieram da doença. Artista extraordinário que é, buscou novas possibilidades de comunicação com o exterior.

Descobriu-se, assim, além do arquiteto notável, um pintor dotado de imensa aptidão  ---  e suas telas passaram a falar por ele, comunicando-nos suas inquietações interiores, sua sensibilidade estética e sua imaginação criadora incomum com vitalidade formal, equilíbrio compositivo e apurado senso de harmonia entre traços e planos.

Há, em cada quadro, ainda que  ---  natural  --- o pincel se mostre aqui e ali balbuciante, uma intuição poética altamente refinada. E a cor... Bem, a cor é provavelmente o elemento pictórico com que, ainda mais e de forma mais amadurecida, Cesar Fiuza dá a ver a sua aguçada capacidade de combinar tons, nuances e ritmos cromáticos cheios de sugestão e profundamente simbólicos.

Sua pintura tem uma dignidade que aflora espontânea pelo competente uso da luz, luz por que se transmite o sentimento humano do artista, sua ternura, sua elegância e, como pintor, suas imperfeições e virtudes. Mas o que é a arte, indagava Mário Pedrosa, senão a linguagem das forças inconscientes que atuam dentro de nós?

Por isso, ao participar do vernissage com que Cesar Fiuza abriu a sua exposição pictórica nessa quarta-feira 6, ocorreram-me as ponderações de Emmanuel Levinas a propósito da arte como "Rosto", aquilo que nos leva, conquistados, a descobrir os mistérios e desafios, a fé e a angústia, o amor, as tensões, a felicidade e a infelicidade, o abismo do infinito que existe no Outro.

Há, como disse, posto que se trata de um pintor estreante, pequenos deslizes. O pincel se mostra algumas vezes claudicante, deixa-se ver uma saturação de tonalidades aos olhos do observador mais atento. Nada, contudo, que roube o brilho da composição, o senso de medida, o detalhe admirável no uso da cor e o lúdico geometrismo das formas, o equilíbrio de massas e volumes.

Tudo é beleza no abstracionismo de Cesar Fiuza. Há no interior de cada quadro a organização visual necessária e um admirável senso estético na distribuição dos elementos "narrativos" da pintura. Ritmos, modulações, cruzamento de cores, intersecções de planos, luz, peso, ritmo, forma, movimento, proporção.

Ganham as artes visuais do Ceará com a arte do reconhecido arquiteto que se fez pintor. Para encantar a todos.

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 


 

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