quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

200 anos de Karl Marx

2018 assinala o segundo centenário de nascimento de um dos maiores pensadores de todos os tempos. Refiro-me ao alemão Karl Marx, nascido na Renânia, em 5 de maio de 1818. Na contramão do que desejam seus detratores, via de regra o que existe de mais tacanho do ponto de vista intelectual, a data vem merecendo comemoração no mundo inteiro, no bojo de publicações diversas, biografias, reedições de livros, simpósios, lançamentos de documentários e filmes etc., que vão da simples biografia do homem e do intelectual extraordinário que foi, à revisão criteriosa de sua vasta produção como o mais importante teórico do socialismo.

Em grande parte, claro, tais investidas visam a desconstruir (no mau sentido) a teoria marxista, mesmo quando disso resultam livros importantes sob muitos aspectos, a exemplo do que pretende ser "a biografia definitiva" do filósofo alemão escrita pelo inglês Gareth Stedman Jones, não sem razão apresentada com o subtítulo "Grandeza e Ilusão". Ainda assim, não há como ignorar que se trata de um estudo sério, muito embora contaminado pela doença incurável dos valores de um capitalismo em crise que, pelos menos no cariz vigente, cedo ou tarde tende a desmoronar sob o peso dos muitos males oriundos de sua própria contradição.

Nessa perspectiva, por oportuno, é que me ocorre lembrar aqui as imperdíveis leituras do marxismo materializadas em livro por outro estudioso inglês, David Harvey, cujos trabalhos vêm sendo publicados, em português, em grande escala nos últimos anos. Em meio aos muitos e notáveis títulos do autor de A Condição Pós-Moderna, e alusivos ao tema em pauta, merecem destaque os dois volumes de Para Entender Marx, publicados pelo Boitempo Editorial, com tradução de Rubens Enderle. Como o título sugere, trata-se de um criterioso guia sobre a obra máxima de Karl Marx, O Capital, com a vantagem de ir muito além do que comumente fazem os guias de leitura tradicionais.

Harvey, que, merecidamente, é considerado por muitos o mais competente intérprete vivo do marxismo, realizou com Para Entender Marx I e II uma viagem extremamente sedutora pelos fundamentos econômicos que norteiam esse livro incontornável, mas foi muito além disso. Desfazendo preconceitos, não raramente motivados por interesses estranhos ao inquestionável valor da obra, o britânico apresenta os três volumes de O Capital com a sensibilidade de um leitor atento e por demais honesto.

É possível aqui, portanto, evidenciar que Harvey lança mão das propostas teóricas de Umberto Eco, deslocando os problemas da interpretação para a relação "texto-leitor", em lugar da relação tradicional "autor-leitor", no que destaca o papel participativo deste no entendimento das teses marxistas, de resto uma questão amplamente examinada por semioticistas do naipe de Charles Sanders Peirce, Jacques-Derrida e Roland Barthes. É nisso, pois, que se estabelece o caráter atualizador da leitura realizada pelo autor do guia, de que, claramente, resulta a percepção de que Karl Marx escreveu uma obra para o seu tempo e para o futuro que se projetaria até nós.

Vai além, muito além, para demonstrar a abrangência do marxismo como método de análise, dando a ver a leveza do discurso em que pontuam filósofos, escritores, artistas e a própria sociedade como um todo. Supera, com isso, a ótica endurecida dos muitos discursos já existentes e evidencia o quanto pode ser enriquecedora a leitura de O Capital.

Mas, na hipótese de que o leitor ainda não se considere "preparado" para ler a obra-prima do marxismo, é também de David Harvey uma das publicações mais recomendáveis da safra comemorativa dos 200 anos de Karl Marx: 17 Contradições e o Fim do Capitalismo, também da Boitempo, constitui uma análise consistente das crises do capitalismo. Aqui, Harvey desmistifica o poder da inovação como uma conquista do capital e mostra que, sob o domínio da ótica capitalista, ela (a inovação) vem sendo historicamente explorada a fim de concentrar a riqueza e gerar a desigualdade.

Para o bem ou para o mal, segundo a perspectiva da esquerda e da direita, o certo é que as contribuições de Karl Marx, decorridos duzentos anos desde o seu nascimento, voltam a ocupar posição inigualável na luta em favor de um mundo mais humano e mais justo. Viva Marx!  

 

 

 

 

 

 

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